Vi sozinho “Rita Cadillac – A Lady do Povo”, bom documentário de Toni Venturi (“Cabra Cega”).
Quando digo “sozinho”, leia-se: eu era o único que pagou ingresso para assistir ao filme num final de tarde de terça-feira.
Quando digo “único que pagou ingresso”, não significa que outras pessoas entraram de graça, não. Eu estava realmente sozinho. Acho que agora ficou claro.
Minha solidão serviu para algumas reflexões – e também para eu deitar nas poltronas.
Rita Cadillac é uma personagem e tanto. Conta suas histórias (sempre fascinantes) de uma forma tão sincera, que nos arrebata. Prostituição, fracassos, sucessos, reviravoltas… Tudo o que um bom (e consistente) roteiro deve ter.
Quando mostra o rabo então…
Boas (sem trocadilho) imagens de arquivo e uma condução enxuta do Toni Venturi deixam tudo bem agradável.
Agora, eu estava sozinho lembram? E o filme tinha acabado de entrar em cartaz (isso porque ele é de 2007).
Mais um filme nacional para o limbo. E aqui vamos descontar o fato de ele ser um documentário, naturalmente relegado a um nicho (eita palavrinha besta esta).
A coisa tá feia para a maior parte dos filmes tupiniquins (outra palavra chatinha). Para cada “Chico Xavier” (aliás, ótimo filme) temos cem “Rita Cadillac” ou “Os Famosos e os Duendes da Morte”.
Acho que foi o Inácio Araújo que escreveu sobre a diferença brutal de público que temos entre os blockbusters nacionais e o resto das películas produzidas por aqui (algo de 100 para 1 – nada saudável).
Há um nítido e preocupante litígio entre a platéia e filmes brasileiros que não têm algumas chancelas oficiais de “qualidade” (atores da Globo, divulgação explosiva etc.).
Porém creio que já existe um pouco de disposição do espectador. Minimamente ele começa a reservar seu quinhão para enfrentar imagens faladas em português.
O próximo passo é ajeitar nossos roteiros, fazer um trabalho de sedução, aquecer a indústria, investir desde cedo em mão-de-obra intelectual.
As faculdades de rádio e TV que conheço relegam a escrita ao vigésimo plano. Não sei como a coisa funciona nas universidades com cursos de cinema.
Será que não falta uma abordagem mais urgente de grandes temas nacionais, por exemplo?
Parte da nossa produção está vinculada ao Estado e leis de incentivo. Então, naturalmente, os filmes sobre mensalão, cuecas e desvios de grana ficam meio fora de moda.
Mas cadê o roteiro sobre o Maníaco do Parque? Cadê o filme sobre o meio-ambiente? Até James Cameron sabe que o país será o principal palco da briga entre ambientalistas e agricultores.
Quantas Mumbais temos no país que renderiam uns duzentos “Quem Quer Ser um Milionário”?
Cadê nossas comédias mais sacanas, aquela coisa meio Hugo Carvana?
Será que a pornochanchada tinha que ser banida desse jeito, sem reformulação, sem dar um jeitinho?
As imagens e depoimentos mais impressionantes de “Rita Cadillac” estão nos trechos sobre os shows que ela fez nos garimpos.
Até hoje me surpreendo ao ver as cenas daqueles 300 mil sujeitos buscando o futuro em Serra Pelada.
Certamente uma das coisas mais chocantes (e ricas de histórias) do nosso país.
Quantos roteiros poderiam sair dali? E quantos filmes memoráveis foram feitos com esse tema?
Nenhum. Uma busca no Google indica apenas um clássico: “Os Trapalhões na Serra Pelada”. Público: quase cinco milhões de espectadores. Esperteza ou competência? Os dois?
Enquanto ficarmos nessa de vilão (Daniel Filho e Cia que fazem os tais “filmes para o público meio abestalhado”) versus mocinhos (todo o resto incompreendido) não vai dar pé.
Chegou a hora dos roteiristas, diretores, atores encararem essa encrenca. Por que a coisa não funciona? Por que só a novela tá em cima da pinta?
O que não dá é pra ficar culpando os suspeitos de sempre. Nunca antes na história deste país foi tão complexo pensar nas causas desse conturbado divórcio entre um certo tipo de filme nacional e a audiência.
E que o bundão da Rita merecia mais, isso merecia viu. É boa demais para o moral.

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