Boris Yellnikoff é um físico quase laureado com o prêmio Nobel. Inteligente, misantropo e suicida frustrado, ele sabe que nós estamos aqui por pura casualidade.
Não há nada divino lá fora capaz de explicar por que algumas coisas funcionam e outras não.
No mundo, vale tudo. E se rolar, rolou. Tudo pode acontecer (dar certo é outra história).
Howard Stark também é inventor, físico, cientista. Mas ao contrário de Boris, parece ter fé em alguma coisa. Pelo menos ele crê que a ciência é capaz de promover a paz mundial.
Ele lida com as moléculas como se cutucasse algum Deus. Após se decepcionar com um colega russo, acaba deixando preciosas lições para seu filho, Tony Stark.
Este, depois de diversas bordoadas, irá descobrir que a verdade está realmente lá fora… Mas na forma de partículas elementares.
Boris é o que move o elegante “Tudo Pode Dar Certo”, de Woody Allen.
Stark estrela “O Homem de Ferro 2”, de Jon Favreau.
Ambos provam como o cinema norte-americano consegue, seja por via considerada intelectual ou pelo tal escapismo, conversar com o nosso tempo, ser corrosivamente atual e autêntico.
Em ambos, a fé na religião é substituída pelo escárnio ou pela crença na matéria, no sexo, na grana.
As pessoas são assim por causa delas mesmas (ou de seus pais demasiadamente humanos, se lembrarmos do rancor que o genial Mickey Rourke carrega para o vilão Ivan Vanko).
Não há nada esotérico empurrando nossos heróis para o abismo, redenção ou deserto de idéias e ideais.
Boris (interpretado pelo sacana Larry David) continua por aqui porque não tem coisa melhor pra fazer. Na verdade, curte pentelhar seus alunos de xadrez, ouvir Beethoven, encher o saco de seus amigos e, claro, faturar umas garotinhas.
Como bem lembrou Denis Zanini no http://www.acangibrina.blogspot.com/, é como se Sheldon, de “Big Bang Theory”, ganhasse mais uns anos nas costas.
É como se Marcelo Gleiser escrevesse um roteiro saudando nossas saudáveis imperfeições e cagadas neste planeta.
E o que pensar sobre Stark? Sim, parece o irmão mais novo – e ainda idealista – de Boris.
Hedonista, marrento, irônico, meio drogado (o que é aquela clorofila?), mundano. Aliás, parecidíssimo com o mesmo Robert Downey Jr. em “Sherlock Holmes” (e igual ao ator na vida real, dirão alguns).
Como no filme de Allen, em “O Homem de Ferro 2” o que vale é a ciência.
Na rápida Hollywood, a guerra da fé entre Ocidente e Oriente já é coisa do passado.
Hoje, fatura quem é capaz de entender melhor os desígnios das moléculas, dos átomos, da biotecnologia, da casualidade, do andar do bêbado.
Saem os deuses, entra em cena o Grande Colisor de Hádrons (pô, Stark simplesmente inventa um elemento químico).
Não existe mais vingança em nome Dele. Mas sim para honrar a vida de um pai (o mortal mesmo).
E que delícia poder voltar a saudar um vilão… russo!
Onde eles se esconderam?
Não há homens-bombas, fé no além, árabes esquisitos ou cristãos pirados.
Estamos no mundo do cada um por si, dos heróis cheios de grana, dos carrões turbinados e dos políticos débeis com dentaduras ridículas.
Os dois filmes são rápidos, irônicos, com inspiradas sacadas verbais e lotados de personagens espertos.
O negócio agora é crer no homem e pé na tábua.


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