Começa com “Day & Night”, um curta que nos explica finalmente pra que serve o 3D numa narrativa. E termina com uma das despedidas mais marcantes da história do cinema. Algo como “Casablanca” ou “Rastros de Ódio” feito por brinquedos.
“Toy Story 3”, o novo êxito da Pixax/Disney, é uma obra-prima. Um filme que pra ser ótimo precisa piorar muito.
A Pixar não é apenas uma empresa. É um movimento cinematográfico, é um estilo de narrativa, é proprietária de uma infindável capacidade criativa.
Dizer que algo é da Pixar, equivale a colar na obra um selo, um marco, uma cicatriz.
É como dizer que aquilo tem o frescor da nouvelle vague, a inovação de Walt Disney, a graça de Chaplin, a grandiosidade de Orson Welles, a reflexão de Bergman, o suspense de Hitchcock… A Pixar deve batizar uma categoria de filmes clássicos.
A capacidade de fazer um longa-metragem em animação digital foi inventada por esses caras (Ed Catmull, Alvy Smith, John Lasseter e tantos outros).
Foi um caminho técnico complicadíssimo (tudo bem explicado em “A Magia da Pixar”, bom livro de David A. Price).
Mas desde o início, eles sabiam que aqueles trambolhos produzidos pelos engenheiros do grupo não iriam servir para vender impressoras, carros ou computadores.
Eles queriam usar as geringonças cheias de complicadas equações para contar histórias.
E 15 anos depois da primeira experiência de um filme totalmente animado por computador (“Toy Story”), temos “Toy Story 3”, um dos roteiros mais exemplares do cinema contemporâneo.
Um filme que une com perfeição trama e personagens. Isso num 3D harmônico, que passa despercebido (o que pode ser o maior elogio para algo em 3D).
A história é sobre abandono, traumas, abuso de poder e velhice. O ritmo é de filme de prisão, suspense, aventura, drama, comédia. Que mais?
Os personagens são apresentados com características marcantes, que serão fundamentais para mover a trama.
Um telefone de brinquedo pode virar um delator. Um lixeiro se torna um salvador. Um bebê gigante é uma complexa versão do Chuck. Uma garra se transforma em Deus.
É o supremo poder da imaginação.
Há no filme dirigido por Lee Unkrich (que co-dirigiu “Toy Story 2”) uma incrível coleção de idéias e resoluções.
No início, logo depois de uma sensacional cena de ação (que serve de prólogo para nos acostumarmos com os personagens dos filmes anteriores), o longa diminui seu ritmo e aposta em vários minutos com diálogos e aprofunda a crise que os brinquedos enfrentam (eles podem ser doados para uma instituição, já que Andy, o dono daqueles objetos, cresceu e vai para a faculdade).
Velhos e esquecidos, chegou a hora de se reinventar.
São quatro atos, todos com uma ação crescente e empolgante (prova disso é que a primeira é num saco de lixo; e a última num lixão).
O que impressiona não é apenas o domínio da narrativa (de reviravoltas e arquitetura de tramas), mas também a capacidade de apresentação dos personagens (Ken e suas roupas; Lotso e seu trono móvel; o Bebê Gigante com seus olhos tortos; além das brincadeiras com o espanhol e o inglês britânico).
Até quando eles vão inventar essas coisas?
Também é marcante o diálogo com o nosso tempo e medos.
Será que também vamos virar sucata? Alguém ainda quer brincar com a gente? Pra que servimos? Afinal, o que há do outro lado?
O emocionante desfecho parece mostrar que enquanto existir uma platéia sedenta por histórias, a brincadeira no cinema estará a salvo.
A Pixar é a nossa Garra Gigante, que nos salva sempre que precisamos escapar do lixo cotidiano.

Droga. Agora vou ter que ver. Rarara.
🙂