“Kick-Ass” é bom?

Andei por aí perguntando o que eu deveria ter achado do filme “Kick-Ass – Quebrando Tudo”.

Um amigo cineasta e roteirista disse que eu teria que gostar, pois o longa dirigido por Matthew Vaughn (do ótimo “Nem Tudo É o que Parece”) é melhor do que “Matrix” (não entendo muito bem o que isso quer dizer, mas confio no sujeito).

Outro brother (que é repórter e edita quadrinhos) falou que o negócio todo já virou um clássico e minha obrigação seria dar no mínimo quatro estrelas (na cotação da “Folha”).

Bom, sei que as opiniões não foram lá muito imparciais. É como perguntar para o Dunga se ele gosta da escalação do atual time do Brasil. Mas foi o que eu consegui.

Então vá lá… “Kick-Ass – Quebrando Tudo” é estranhamente bom pra cacete. Será?

Fazia algum tempo que não saia tão perturbado do cinema. Perturbado, não. “Desconcertado” é uma palavra mais precisa.

Pelo menos não podemos reclamar do título. Os caras realmente cumprem o que prometem. Não sobra muita gente pra contar o próximo capítulo da história.

Aliás, roteiro cristalino, sem grandes reviravoltas, suspense ou surpresas.

Adaptado dos quadrinhos (de Mark Millar), narra as desventuras de um moleque absolutamente ordinário e medíocre que resolve vestir um fato (eis minha contribuição para a união ortográfica) de mergulhador e combater o crime.

Sem nenhum super ou minipoder, ele acaba no hospital após levar uma facada.

Depois de outra tentativa, sua bravura vira febre na internet e seu estilo e nome (Kick-Ass) passam a ser reconhecidos e acabam chamando a atenção de duas famílias: a de um psicopata (Nicolas Cage, fazendo um Batman melhor que George Clooney) e sua filha de 11 anos (a genial Chloe Moretz); e a de um bandidaço (o sempre assustador Mark Strong) e seu filho pateta (sim, ele, MacLovin, Cristopher Mintz-Plasse).

Até então, o filme segue normal. Explora a internet, os viciados em quadrinhos, as referências pop etc. Um Kevin Smith pueril, um filme de adolescentes castos. Parece até algo meio velho.

Mas quando o pau começa a quebrar… Ficamos diante de algumas das cenas mais violentas (e sofisticadas) dos últimos anos. Dá até pra achar que “Batlle Royal” é cândido perto de “Kick-Ass”.

É algo pós-Tarantino. Pois existe o fetiche pela violência (e a trilha bacana), mas não há aquela tensão e os brilhantes diálogos de “Kill Bill” ou “Cães de Aluguel”.

É algo pós-Charles Bronson e Steven Seagal. Pois existe a vingança e a pancadaria, mas sem a tosquice de “Desejo de Matar” ou “Nico: Acima da Lei”.

É algo pós-Batman. Pois existem os super-heróis, os quadrinhos, mas não há as implicações psicológicas levadas a sério do homem-morcego (nem a ironia e a loucura do “Homem-Aranha”).

É algo pós-Watchmen. Pois existe a brilhante coreografia adaptada das páginas com perfeição, mas sem o lado político e profundamente dramático (e novelesco) dos Vigilantes.

Parece que “O Albergue” e “Jogos Mortais” encontram John Woo.

Tô falando… A coisa é desconcertante.

Lá estão jovens matando a rodo (e torturando). Tudo sem culpa e sem limites.

Não existe autoridade. Não existe diplomacia possível. Há apenas a vingança e o ódio.

Pra completar a confusão, temos ela, a magnífica Hit-Girl.

Lembram do Champinha? Agora imaginem um filme em que o Champinha vira herói e mata umas duzentas pessoas. E sorri docemente enquanto o sangue escorre diante de seus olhos infantis.

Então. Temos uma garotinha assassina em “Kick-Ass”. E ela mata de verdade e com sedutores trejeitos de um Hannibal Lecter. Usa armas com destreza e tem imenso fetiche por cada pedaço preto de metal.

É realmente assustador.

Bazucas, corpos que explodem em enormes fornos, pessoas esmagadas e trituradas, gente queimada viva…

E tudo isso sendo revelado de maneira explícita, hipnótica e requintada (pela internet, em jogos de espelhos, por câmeras de segurança). Nem dá pra desviar os olhos (seja pela surpresa ou pela estética).

“Kick-Ass” é insuportavelmente instigante, forte e nem aí para os códigos de conduta da censura cinematográfica (o que contribuiu para o filme arrecadar menos nas bilheterias, apesar do tema adolescente).

Sei lá.

No mínimo, um evento cinematográfico. Será?

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