O sangue é sexy

Fiz uma experiência bacaninha outro dia: vi o terceiro filme da saga “Crepúsculo”, “Eclipse”, e horas depois conferi alguns episódios da primeira temporada da série “True Blood”.

Não foi nenhuma penitência, não. Nem promessa.

Longe de ser um desastre masoquista, o mergulho nessa turma das trevas esclarece bastante sobre como usar a tal frase atribuída a Lavoisier (“Na natureza nada se perde etc.”) para atingir diferentes públicos (ou o mesmo, mas em mídias e situações diferenciadas).

Ambos lidam, na essência, com vampiros. E tanto no filme quanto na série de TV temos uma protagonista forte pontuando as tramas.

As coincidências são: arquétipos dos mortos-vivos de caninos afiados, uma virgem e livros como pontos de partida. E só.

Assistindo simultaneamente às duas obras, aprendemos como ser originais, provocativos e certeiros mesmo lidando com um material mais malhado que o Felipe Melo.

Os livros e filmes da saga “Crepúsculo” o pessoal já conhece. Basicamente narram como a princesa Bella luta para perder a virgindade com o vampiro Edward, mas no meio da história fica também caidinha por um lobo gigante que, quando toma formas humanas, gosta de desfilar só de calça jeans.

“Eclipse” não é ruim, não. Pelo menos tem conflito (coisa que os outros dois filmes esqueciam pelo caminho). Os atores estão obviamente confortáveis, a trama segue bem e a rapaziada solta umas piadinhas aqui e ali (a turma de descamisados é realmente hilária, parece núcleo cômico de novela do Carlos Lombardi).

Acima de tudo, é um filme muito bem feito… para as meninas.

Não acho que o sucesso da tal saga é exclusivamente por causa do suposto romantismo e do lado politicamente correto da mocinha (aliás, uma mentira, porque o que a Bella mais quer é perder a virgindade antes do casório – e isto não me parece muito correto em certas partes do mundo).

O que pega mesmo é a proteção (e não estou falando sobre camisinhas).

Bella é uma das personagens mais protegidas da história do cinema recente. Mas nem o Obama dentro do Air Force One se sentiria mais seguro.

Ela não só é defendida por vampiros, como também conta com lobisomens como guarda-costas. E mais: seu pai é policial!

Qual garota (ainda mais uma adolescente) não gostaria de se sentir absolutamente segura? Pelo menos é isso que eu entendo vendo comerciais de absorventes.

Ok, falando sério. O truque do roteiro (e dos livros de Stephanie Meyer) é centrar foco nessa garota superprotegida. Com um toque interessante: ela pode fazer escolhas. Eis o pulo do gato.

Não está rodeada de malucos que impõem toque de recolher. Ela recebe toda essa proteção justamente para ter o poder de decisão sobre sua existência. Refletir com calma.

Bem interessante. De novo, apenas para as pequenas. O universo masculino vai pra escanteio. Por isso críticos, analistas, bombeiros, marceneiros, ou sei lá mais quem acha (e com razão) o filme uma bobagem. O homem, ali, não existe (somente como objeto ou segurança).

Será que é assim que as mulheres se sentem vendo os filmes de meninos que são feitos aos montes?

Já “True Blood” é deliciosamente irresponsável, sacana e irônico (e para todo mundo – ok, menos para aquela turma do lado politicamente correto do planeta).

Prega malandramente o oposto da galera de “Crepúsculo”.

Basta dizer que a primeira cena do piloto de “True Blood” é com um… boquete.

No filme “Eclipse”, temos virgindade, amor eterno e frio. Muito frio.

Na série, temos sexo, sangue e calor. Muito calor.

A Bella de “True Blood” (a esplêndida Anna Paquin e seus dentinhos amestrados) também é virgem, vejam só…

Mas sonha com sexo, não se ilude com ninguém, tira sarro de todos e ainda lê mentes (baita sacada de roteiro para os telespectadores pegarem detalhes da história).

Longe do idílio, sua visão de mundo é sarcástica (pelo menos nos episódios que assisti).

Claro que na TV temos mais tramas, personagens e reviravoltas. A série bebe no suspense e no clima noir (além de falar de política e racismo a todo instante). É quase um “Garotas Selvagens” com seres sobrenaturais.

Alan Ball, o criador de “True Blood”, adora corpos (vivos ou mortos, como ele comprovou na sua outra série, “A Sete Palmos”).

Por isso, as mocinhas andam de shortinhos e saias curtas. Os vampiros não perdem a chance de transar com qualquer um. E tirar a roupa é só mais um vício.

Assim, naturalmente, a série tem imagens mais fortes, explícitas, cheia de cores. Até a noite é colorida.

Já “Eclipse” é mais escuro, pudico. Fechados em seus capotes, os vampiros são imagens religiosas. Corpos mesmo, só temos os dos lobos da reserva (não por acaso, ali temos as melhores imagens, de florestas e brigas – há tensão no ar – que o digam as mocinhas que berravam pelo Jacob).

Um sugere e o outro mostra. Uma é superprotegida. A outra é órfã jogada aos monstros.

Sim, “True Blood” é bom. “Eclipse” é apenas alguma coisa entre medíocre e razoável.

Mas ambos são bem sucedidos ao mexer com o lado sexy das trevas.

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