Passado purpurinado

Na entrada da sessão do documentário “Dzi Croquettes”, cinco pessoas aparentemente com idades entre 60 e 70 anos pediam seus cafés, comiam pipocas e riam. Pareciam contentes. Pelos gritinhos alegres de “noosaaaaa” e “cê lembra dissoooooo?”, falavam sobre o passado.

Na saída, o mesmo grupo estava em estado de graça. Uns ainda disfarçavam uma ou outra lágrima. Mas era um choro de puro contentamento. Pelo papo que consegui ouvir, todos ali tinham se reunido para relembrar na tela momentos que já tinham presenciado décadas atrás.

Momentos que contaram com a exuberância e o escandaloso talento do grupo Dzi Croquettes (a explicação do nome da trupe é uma das hilariantes histórias do filme).

O documentário realizado por Tatiana Issa (filha de um cenógrafo da turma) e Raphael Alvarez é um tratado sobre a memória, uma homenagem, uma busca pela infância perdida.

Narrado em primeira pessoa, o filme de Tatiana procura impressões, entrevistas, depoimentos e imagens sobre os palhaçinhos que ela, ainda pequena, via se fantasiarem de mulher em esfumaçados camarins dos anos 70.

Os palhaços formaram a partir de 1972 (capitaneados por Wagner Ribeiro e o monumental coreógrafo Lennie Dale) um grupo… Ou melhor, um movimento capaz de borbulhar gírias, peças, fãs e, principalmente, liberdade.

Por anos, 13 barbados colocavam tangas e vestidos, se empanturravam de purpurina e dançavam. Dançavam colados, separados. Dançavam Elis, chansons, sátiras, o que fosse. Qualquer coisa que estimulasse o tesão, a alegria de uma platéia que custava a entender qual era o lance. E quando entendia… Lotava os teatros, brigava por um ingresso, queria ser Dzi Croquettes.

Imaginem 13 Neys Matogrossos num palco. Percebem o estrago no bom senso, na moral, na caretice? E isso acontecendo ali, nas barbas da turminha de farda, diante da baba bovina dos censores.

Se a alegria daqueles espectadores na sessão em que eu estava era por reencontrar um passado gratificante, a minha foi por conhecer algo até então estranho, apagado.

Didático (sem ser chato), “Dzi Croquettes” é montado a partir de um show gravado em Paris por uma TV alemã (como sempre, a memória nacional jogada às traças e aos estrangeiros). Cada sequência é permeada por dezenas de depoimentos, desde remanescentes do grupo (dos 13 originais, cinco estão vivos) até personalidades influenciadas por eles, como Ney Matogrosso, Gilberto Gil, Pedro Cardoso, Miguel Falabella, Cláudia Raia, Nelson Motta, As Frenéticas e a madrinha do grupo, Liza Minelli.

Além da história sobre a formação, auge e ruptura do Dzi Croquettes, também acompanhamos a trajetória de cada integrante (e, sem dúvida, Rubens Ewald Filho tem razão ao afirmar que Lennie Dale merece um documentário próprio).

Por trás da óbvia importância histórica, há um rigoroso tratamento narrativo, capaz de cadenciar com precisão o documentário.

A fragmentação dos depoimentos dá ritmo, energia e nos faz acreditar cada vez mais na importância do grupo.

É justamente a repetição desse laudatório (coisa que foi criticada por aí) que dá força ao documentário e nos derruba ao final, quando descobrimos que tudo aquilo se foi, acabou (e em alguns casos de forma trágica).

Curiosamente, os amigos do começo deste texto desciam a lenha após ler um trecho de crítica sobre o “Dzi Croquettes” publicada na “Folha de S.Paulo” e afixada na saída do cinema.

Ao ler um parágrafo que falava mal da montagem e dos depoimentos, um dos companheiros não aguentou e mandou um “tá boa, santa?” para o autor.

Um outro olhou para os lados e viu um casal de seus 30 anos. Ficou sério e emendou essa baita filosofia: “Deve ser triste daqui a 30 anos não ter um Dzi Croquettes para relembrar… O passado lá na frente será no mínimo mais chato”.

E assim eles se mandaram.

Eu fiquei lá. Pensando no futuro.

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