Alegria, alegria, pessoal! O empolgante documentário “Uma Noite em 67”, de Renato Terra e Ricardo Calil, serve, entre outras coisas, pra gente perceber que a TV nacional está… uma bomba.
Hoje, todos os dias a gente mexe no controle remoto e se sente como quem partiu ou morreu. Roda mundo, roda pião, e é só cocô na televisão.
Os shows produzidos nos anos 60 pela emissora hoje ligada aos bispos “evans” (simpático apelido que ouvi por aí), tinham tanta qualidade e artistas fenomenais, que era como se o inigualável “Monty Python’s Flying Circus” existisse numa versão somente com canções em português e contando no elenco com Gil, Caetano, Chico, Edu, Marília Medalha, Elis, Roberto, etc.
Só reis da confusão e da brincadeira. Era talento e liberdade pra ninguém botar defeito. Nem mesmo os jurados de elite, como Ferreira Gullar e Sérgio Cabral.
Eeee João, eeee José. Todo mundo na roda-gigante da Record de 1967.
Eis um documento fenomenal para qualquer um que pretenda entender as artes, a música e a televisão brasileiras.
A coisa toda é tão deliciosa que recomendo até mesmo para quem detesta a MPB (caso de um amigo que não escuta uma canção tupiniquim há exatos 23 anos e 23 dias).
O documentário aborda uma daquelas noites especiais da cultura do Brasil. Não, ainda não é sobre o derradeiro episódio de “BBB 43” ou o início de “A Fazenda 8”.
Todo o longa rodopia em torno da final do Festival de Música Brasileira da Record de 1967.
Vale a pena ler de novo o resultado da peleja (fique tranqüilo que isso só é spoiler se você for um louco):
5º lugar – “Maria, Carnaval e Cinzas” (Luiz Carlos Paraná), interpretada por Roberto Carlos.
4º lugar – “Alegria, Alegria” (Caetano Veloso), defendida pelo Caetano e os Beat Boys.
3º lugar – “Roda Viva” (Chico Buarque), com Chico e MPB4.
2º lugar – “Domingo no Parque” (Gilberto Gil), gloriosamente cantada pelos Mutantes e Gil.
1º lugar – “Ponteio” (Capinam e Edu Lobo), com Marília Medalha e Edu Lobo.
Eu sei. Não adianta chorar. Realmente a final da “Dança dos Famosos”, do estilista Faustão, não foi do mesmo nível.
Os diretores Terra e Calil são discretos. Bem diferentes do material que têm em mãos.
A dupla mostra os bastidores do show (as entrevistas de Randal Juliano e Cidinha Campos são engraçadíssimas) e os números quase na íntegra.
No meio de tudo, os comentários dos envelhecidos (e coloquem bons sentimentos e sentidos nisso) artistas que protagonizaram cada uma das sequências.
É indescritível o prazer de observar Chico contando como estava borracho em várias reuniões de cantores. Caetano fala com aquela sinceridade provocativa de sempre. Gil é o zen capaz de nos seduzir com o discurso mais confuso de todos. E Paulinho Machado de Carvalho revela como é dura a vida de um executivo de TV.
Que tempo foi aquele? Hoje, a turma coloca dinheiro na cueca e belezinha. Antes, faziam passeata contra a guitarra elétrica!
Preciso pedir para a Carol me explicar o que está acontecendo na política nacional.
Dizem que TV é hábito. Parece que talento também.
“Uma Noite em 67”, além de elegantemente resgatar um importante momento histórico da música e cultura nacionais, mostra como se fazia uma televisão com um roteiro excepcional.
Paulinho Machado explica que todo o festival era organizado da forma mais dramática possível, quase como um evento permeado de peças gregas.
Tínhamos o mocinho, o bandido, o malucão, o incompreendido, entre outros. Assim se fazia o mais bonito entretenimento que este país já viu.
Um festival da Record não era apenas um desfile de músicas, mas acima de tudo um respeitável produto artístico. E com um dos melhores elencos que já vimos.
Aquela final de 67 foi como o último capítulo de “Roque Santeiro”, o plano inicial de “Cidadão Kane”, a cena da escadaria de Potenkim, uma pincelada em “Guernica”, uns acordes de Mozart, um episódio de “Mad Men”… Foi uma obra de arte completa.
Por que algo assim, tão original, ousado e competente, acontece cada vez menos na nossa televisão?
“Uma Noite em 67” mostra que ninguém esperava que a roda viva levasse a turma toda para um futuro tão careta.
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