“Mad Men”, “Breaking Bad” e Shakespeare

O Peter Travers, crítico de cinema da “Rolling Stone” norte-americana, é um sujeito engraçado. Em seu blog, não hesita em falar que “tem vontade de vomitar” ao sair de um filme ruim. E outro dia, em vez de recomendar qual era a boa estréia da semana, implorou para as pessoas ficarem em casa e assistirem a um episódio da quarta temporada de “Mad Men”.

That’s a bingo!

Cá entre nós, é difícil encontrar por aí algo tão bem escrito, dirigido e encenado quanto a série comandada pelo Matthew Weiner.

E tudo isso numa televisão perto de você.

Tarde dessas mesmo troquei meu ingresso nas salas de cinema para conferir uns episódios de “Breaking Bad”, outro programa supimpa (aliás, do mesmo canal de “Mad Men”, o AMC, que mandou ver agora uma tal de “Rubicon” que dizem também ser ducaramba).

Como escrevem por aí, enquanto o cinema e outras artes buscam a renovação pela tecnologia e interatividade, a TV (dos EUA, pelo menos) persegue excelentes histórias.

Vamos um pouco mais longe.

Don Draper e Walter White, respectivamente protagonistas de “Mad Men” e “Breaking Bad”, são anti-heróis tão fundamentais para a dramaturgia quanto Don Quixote, Hamlet, Batman e Wolverine.

É como se a nossa cabeça sofresse um abalo de 11 pontos na Escala Richter durante 50 minutos seguidos. Os neurônios não param quietos, sacudidos que ficam.

Cada episódio de “Mad Men” e “Breaking Bad” é um terremoto feito aquele de Lisboa em 1755. Algo que abala nossos dogmas, emoções e conhecimentos sobre o que é escrever para um meio audiovisual.

Só pra gente entrar em sintonia, vamos lembrar das histórias.

Don Draper é interpretado por Jon Hamm (pausa para os suspiros femininos e o olho-grande dos heterossexuais masculinos). Publicitário do início da década de 60 nos Estados Unidos, ele está no topo do mundo. Mas descobre que o universo é feito de sorvete. E está derretendo.

Casado com uma reencarnação de Afrodite, pai de dois filhos, colecionador de amantes, bom bebedor de destilados e idolatrado pelas suas idéias e sagacidade, Don Draper é um Deus de um Olimpo decadente.

Em “Mad Men”, observamos a sua queda (aliás, tema da estupenda abertura da série). Como essa síntese do “american-way-of-macho”, essa mistura de Johns (John Wayne e John Kennedy), consegue suportar o vento das mudanças, a emancipação das mulheres, a força dos hippies, o inexorável castigo do tempo?

Um espetáculo e tanto. Infelizmente fico aqui apenas no preâmbulo, porque “Mad Men” oferece um manancial de resenhas e opiniões – principalmente sobre o elegante delírio de bebida, cigarro e sexo que nos oferece.

Já Walter White é incorporado por Bryan Cranston (tempo para limparmos a baba bovina da inveja, pois estamos diante de um dos melhores atores de nosso tempo). Professor de química nos dias que correm, ele não está nada bem (e olhem que estamos falando dos gringos – e não da turma que recebe o salário do Goldman).

Casado com uma sensível donzela, pai de um filho e esperando outro, certinho, generoso, inteligente, Walter White é mais um entre os medíocres.

Em “Breaking Bad”, enxergamos a ascensão de uma legenda… Do crime. Mixando as figuras de um herói de Frank Capra, de um bonzinho ordinário e de um Forrest Gump sem aquele rabo todo, como ele conseguirá sobreviver num mundo competitivo, estúpido e desprovido de bom-senso? Um mundo que lá atrás Don Draper apenas visualizou.

Pra catalisar todo o drama, Walter descobre que tem câncer de pulmão. E nunca fumou. E deve morrer em alguns meses. Que espécie de justiça pode existir nesse deserto?

Mas para honrar sua passagem por aqui, ele resolve produzir anfetaminas e usar seu talento para faturar em cima dos narcóticos, dos ilegais, das drogas.

Ao contrário de Don Draper, Walter terá que conviver com a subida, não com a descida.

Mas ambos sabem que o fim está próximo. Teremos redenção?

Os dois trapaceiam, mentem, têm segredos perturbadores, mas também salvam vidas, cuidam dos filhos e querem mudar a magnitude de suas famílias.

O que mais podemos pedir de um monumental roteiro?

Não deixem esses malucos escaparem da sua tela.

É como viver na Inglaterra entre 1590 e 1610 e perder a estréia do novo texto de Shakespeare.


http://www.youtube.com/watch?v=Wd68y92lfWE

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