“Os Mercenários” e uma cena que vale o filme

Pode um filme valer por uma única cena de poucos minutos?

Um livro inteiro, aquela orgia de palavras, ser recomendável devido somente a umas minguadas frases colocadas no ângulo?

Uma sinfonia? É maravilhosa mesmo se tiver x acordes de genialidade e y>x de porcaria?

Pois o malandro do Stallone fez pelo menos um desses lampejos de obra-prima que, pra mim, justifica todo o cheiroso excremento que é esse “Os Mercenários”.

O novo filme dirigido, estrelado e escrito pelo Rambo (um autor, afinal) é uma tremenda caca. Bom, isso você já sabia. Agora, que ele pode invocar discussões sobre a arte… É novidade, certo?

Em linhas gerais (ok, só temos essas mesmo, nem adianta procurar muito), narra a história de um bando de trogloditas motoqueiros, lutadores e manipuladores de facas contratados para derrubar um ditador que comanda uma ilhota no Golfo do México.

Só isso. Eles vão lá, matam todo mundo, o Stallone salva a filha do general (interpretada pela Giselle Itié – até que bem, hein) e pronto. Duzentos corpos depois, eles seguem a vida.

Você provavelmente sabe que o filme reúne a tal nata da pancadaria dos anos 80/90. Temos Stallone, Jason Statham, Jet Li, Dolph Lundgren, Eric Roberts, Mickey Rourke, Schwarzenegger e Bruce Willis. A gente não via tantos hooligans juntos desde aquela final entre Liverpool e Juventus, na Bélgica, em 1985.

Há uma recusa de Stallone de seguir o clean, a tecnologia, a limpeza cinematográfica da morte contemporânea.

A pegada não é o sangue dos quadrinhos, a câmera lenta de “Matrix”, as balas que explodem suaves, a porrada com mesuras. Mas sim o explícito, o horror, vísceras que são arremessadas no vazio, no infinito.

Claro, tudo resquício dos culhões dos anos 70. Portanto, cabeças explodem mesmo, facas são enfiadas até o talo da alma do sujeito, os corpos são horrendos, maltratados pelo tempo, a turma quer grana, pontapé e vingança. E só.

Não há espaço para metafísica, transcendência, porra nenhuma. Deus está morto, rapaziada. O negócio é a gente se virar por aqui (viu como o caras também são intelectuais?).

Deve ser como ver um show do Ozzy Osbourne. É aquele mesmo velho barulho. Mas quem se importa? O Ozzy acredita naquilo, cacete!

Os esnobes fazem você crer que o Ed Wood merece ser visto porque era um horror, mas filmava com paixão. Caramba, o Stallone merece a mesma consideração.

É péssimo, mas há um projeto (do Sly, mas não deixa de ser um projeto) de cinema ali. Ele confia naquele anacronismo.

Antes que o espaço acabe, preciso falar da tal cena. Aquela que faz “Os Mercenários” ser indispensável.

Logo no início, temos o lendário encontro entre Stallone, Schwarzenegger e Bruce Willis. Os dois primeiros lideram grupos de mercenários rivais. Bruce é o contratante.

O que se segue é sublime.

Stallone é aquele das trincheiras, que não desistiu de (tentar) fazer arte, de se meter nas barricadas, na linha de frente, de rir da própria desgraça. É o poeta.

Schwaze é o que bandeou para o lado do conhecimento, da razão, da lógica. Acredita que política é o canal. É o cientista.

Bruce ficou em cima do muro. É o mecenas. O que financia tanto a arte como a política. O sujeito da grana. Quem realmente manda na bagaça e observa o mundo pegar fogo.

E para estragar de vez a surpresa (você não vai ver o filme mesmo), tudo acontece numa IGREJA (apelei para a caixa-alta).

Sim, os três combinam como derrubar o Estado, trucidar homens, dentro de uma Igreja. Não resta autoridade, instituição, absolutamente nada para ser respeitado por essa turma.

Sei lá, acho que tem coisa interessante aí.

Já o resto é ruído.

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