“Glee”: que diabo é isso?

“Que diabo é isso? Não sei o que é. Quero me jogar de uma janela”, foi o que disse algum executivo da Fox quando assistiu ao piloto de “Glee”.

Pelo menos é o que afirma Ryan Murphy, criador da série e “grande gênio gay contemporâneo da TV esquisita” (boa definição retirada da igualmente excêntrica reportagem de Erik Hedegaard traduzida por Lígia Fonseca na edição nacional da “Rolling Stone”).

Acho que aqui devemos parar e fazer um pequeno resumo para quem não sabe do que estamos conversando.

A trama do seriado mostra como o professor de espanhol Will Schuester (Matthew Morrison) ressuscita um combalido clube de coral com a ajuda de alunos “nota 10” quando o assunto é sofrer bullying.

Uma doida, a gorducha, um gay, o estúpido fortão e outros tipos se unem nesse Exército de Brancaleone. Não há eufemismos nem correção política. Eles são fracassados mesmo. Cabe ao mestre injetar alguma redenção nessas criaturas.

Quando tive que ver “Glee” por motivos profissionais, enfrentei alguns problemas. A saber:

– Minha namorada teve uma reação digna daquela turma da Fox. Ao observar o destrambelho de um número musical nos primeiros minutos de um episódio, ela só não se atirou do 17º andar porque seria lamentável morrer por causa de uma absurda coreografia de “Bust Your Windows”. E ela estava com a razão. O espetáculo na tela era constrangedor e eu teria que enfrentar aquilo sozinho.

– Descobri depois que a série já é um clássico do mundo gay. Em alguns círculos, ver “Glee” está pau a pau (sem trocadilho) com assobiar Pet Shop Boys, curtir a Liza Minelli ou dar uns amassos na boate A Lôca. Quer dizer, isso se você for homem, heterossexual e quase um senhor. Aparentemente jovens podem ver a série sem sofrer preconceito.

Apesar de ter que lutar contra a sociedade, fui em frente. E penei para atravessar os primeiros episódios.

Não entendia direito o que era aquilo. Ficava com ressaca depois de cada sessão e, para me curar, revia um musical clássico, daqueles de verdade, com reboladas “machas” do Gene Kelly, baladas suaves deslizadas por Fred Astaire e números que não são considerados de “bichinha” (e sim clássicos de respeito), como os de “All That Jazz”.

Pra mim a coisa toda pareceu patinar na premissa “vamos salvar o clube”. Nada acontecia.

Claro, existiam os covers. Grande sacada transformar tudo numa noite do “American Idol”.

As canções muitas vezes eram geniais, mas e o resto? De tanto ver musical da MGM, eu aprendi que algo digno deve combinar letra + música + intérprete + dançarino + coreografia.

Como num desfile de samba, quando todos os quesitos ganham 10, nota 10, temos um campeão.

Rolavam coisas bacanas em “Glee”. Mas o conjunto não me empolgava.

Talvez porque eu esperasse um “Make them Laugh” com o Donald O’Connor a cada dez minutos.

A dramaturgia da TV norte-americana está tinindo (aliás, que baita abertura do Emmy 2010, hein), mas às vezes não ganha de goleada.

Até que vi o episódio 9 (“Wheels”). Mas que bela regeneração. Foi como se o Sinatra recuperasse a voz após meses de rouquidão, se enchessem o tanque de uma Ferrari, se o Gay Talese escrevesse sobre as eleições brasileiras.

Eis um grande roteiro de um episódio de série.

Abusado, divertido e emocionante. Em um capítulo temos mais estrutura e coisas acontecendo do que todas as temporadas juntas de “Malhação”.

E, claro, a rainha da bateria é a iluminada Jane Lynch.

Chegou a hora de tomar umas em homenagem a essa pilantra que interpreta a vilã Sue Sylvester, a líder das Cherrios (e como ela me lembra todos os malditos professores de educação física que tive na escola).

Escrito pelo próprio Ryan Murphy e dirigido por Paris Barclay, temos uma deslumbrante hora de frases, reviravoltas e conflitos.

Aparecem novos personagens, jogam maconha em bolinhos, os adolescentes têm que aprender a usar cadeiras de rodas para bolar um número, um deficiente canta “Dancing With Myself” e uma carismática menina com Síndrome de Down arrepia a moçada.

Tudo bem contado, interpretado com cadência e alguma criatividade visual.

E não é que o esforço valeu a pena?

Continuo não entendendo que diabos é “Glee”. Creio que é aquela coisa do “that’s entertainment”. E quando os gringos acertam nisso, sai debaixo.

http://www.youtube.com/watch?v=PjkDxlhleN8&feature=related

2 comentários em ““Glee”: que diabo é isso?

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  1. ADOREI tua critica! sou fã de glee, tenho 18 anos e ainda sofro muito preconceito. Glee foi um jeito de eu ver que mesmo eu nao sendo a mais bonita, a mais legal ou a mais gostosa, eu ainda sou importante, e graças a Glee hoje canto profissionalmente, arranjei um namorado e sou atriz de teatro.

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