A abertura de “True Blood” e a favela de sempre

O filme “5x Favela – Agora por Nós Mesmos” teve a proeza de colocar parte da dramaturgia da Rede Globo na vanguarda.

Porque o que a gente assiste nesse filme de cinco episódios, vários diretores e supervisão de Cacá Diegues já vem sendo feito pelo canal 5 há uns bons 30 anos.

Inteiramente rodado com profissionais captados em oficinas em diversas favelas cariocas, a produção é caprichada.

É a nova versão do conceito pensado por jovens burgueses que em 1962 fizeram um “Cinco Vezes Favela” original, poético e parecido com um filme (“Couro de Gato”, segmento dirigido por Joaquim Pedro, ainda é arrebatador).

Quase 50 anos depois, a idéia é novamente colocada na mesa. Mas dessa vez com um discurso político sendo revelado explicitamente no título, para não deixar dúvidas sobre as boas intenções da obra (e sabemos que não há arte em panfletos).

Da mesma maneira que Lula é “o cara”, “5x” seria “o filme”. Algo capaz de mostrar para o planeta a capacidade de invenção, superação e importância da imagem brasileira.

Desse marketing todo, saímos com a impressão de ter visto mais um episódio de “Cidade dos Homens”.

O tal “agora por nós mesmos” poderia facilmente ser substituído por “agora com mais do mesmo” sem nenhum problema.

Estão lá todas as platitudes dos roteiros globais. É impressionante como cada um dos episódios se parece em sua estrutura dramática e captação de imagens.

Não há riscos, inovação, surpresa, nada. Mas sobra publicidade.

Nem péssimo o filme é (lembrando que pelos grandes erros conseguimos analisar os maiores acertos – acho que o Umberto Eco estuda muito isso).

Resta saber se os alunos do Cacá emularam a estética e roteiros da Globo porque foram orientados para isso ou se realmente pensam assim.

Fato é que vendo “5x Favela…” constatamos que esse tempo todo tivemos a “favela por nós mesmos” chegando religiosamente pela TV.

***

Pra quem está interessado em imagens, há mais cinema no um minuto e meio da sequência de abertura da série “True Blood” do que em todo “5x Favela…”.

Profano e sagrado se misturam com elegância, dinamismo e ousadia.

São 65 planos regados por Jace Everett e a canção “Bad Things”.

A montagem contextualiza com precisão esse universo onde desejo, violência e religião convivem aos berros.

Pegando a lição que Eisenstein ensinou há quase cem anos, percebemos por que a montagem é o corpo de uma obra audiovisual.

Concebida pela Digital Kitchen(que antes também realizou a abertura de “Six Feet Under”), esse delírio inicial passado nas paisagens da Louisiana traz cenas em vários formatos e uma arrojada concepção estética.

Assisti quadro a quadro e certamente usaria cada um se tivesse novamente aquelas aulas picaretas de semiótica que presenciei na faculdade.

As imagens de bichos esquisitos nascendo e outros sendo devorados por vermes parecem nos lembrar que aquelas pessoas não serão poupadas pelo tempo. Todos são animais.

O momento mais marcante é de um provável batismo. Uma mulher tem o corpo afundado na água por dois homens. Ao emergir, ela dá desesperadas braçadas, como se quisesse fugir daquela cura.

Assim me parece “True Blood”.

Além de ser engraçadíssima, a série mostra pessoas dando braçadas, tentando entender e controlar seus desejos.

E enquanto uns procuram escapar dos outros, vários buscam fugir de si mesmos.

Melhor ver a vinheta cinco vezes.

http://www.youtube.com/watch?v=NZHPfpWtWs0&feature=rec-LGOUT-exp_fresh+div-1r-1-HM

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