TV dos EUA vinga os roteiristas

Roteirista de longa-metragem é um eterno injustiçado.

No dia-a-dia, sua fama e competência jamais encostam na glória alcançada pelos diretores, atores, atrizes e produtores. Na verdade, não chegam aos pés nem do sucesso de alguns coadjuvantes, figurinistas, diretores de arte, maquiadores, diretores de fotografia, faxineiros experientes, entre outros.

Nas telas, raramente aparecem, e quando dão o ar da graça é para suportar alguns tabefes da vida.

O coitado do escritor de cenas quase sempre esteve nas sombras das películas, como um cambaleante personagem de filme noir, parecido com o Dixon Steele, interpretado por Humphrey Bogart em “No Silêncio da Noite” (1950).

Responsável pelo solitário trabalho de criar a história, este sofrido artista mina sangue, suor e lágrimas, feito Barton Fink, personificado por John Turturro em “Barton Fink” (1991), para os outros serem agraciados com o manto das celebridades.

Se quiser andar em conversíveis e receber algumas lambidas da fama, tem que imitar Joe Gillis (William Holden) em “Crespúsculo dos Deuses” (1950) e se prostituir, escrever por fora.

Aliás, Holden também foi o roteirista Richard Benson em “Quando Paris Alucina” (1964). Neste filme de Richard Quine, pelo menos ele não começa a trama morto, de barriga pra baixo numa piscina, como no longa de Billy Wilder.

Holden merece uma estátua do sindicato dos roteiristas. Quem mais toparia interpretar por duas vezes um personagem tão desprezado?

Pois é assim que os roteiristas se enxergam: assassinados logo na primeira cena. Já nos créditos, levam uma saraivada de tiros do diretor, do elenco e dos caras da grana.

Suas linhas são costumeiramente alteradas, suas epifanias descredenciadas, seus medos subornados, suas idéias arremessadas no vazio.

Claro que na hora de se colocarem na tela, querem mostrar um pobre coitado sempre aviltado pelo destino, que tem falhas de caráter porque só assim é possível segurar a onda.

Recentemente, até Charlie Kaufman, que conseguiu um patamar único em Hollywood com seu “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças”, mostrou não apenas um, mas dois roteiristas problemáticos em “Adaptação” (2002).

Ano passado foi a vez de Ricky Gervais, o criador de “The Office” e “Extras”, fazer uma “homenagem” a essa classe com “O Primeiro Mentiroso”.

E adivinhem? Mesmo tentando desesperadamente transformar Mark Bellison (interpretado por ele mesmo) em um herói, a melancolia toma conta de todas as sequências.

A idéia é ótima. Mark é roteirista num mundo onde todos dizem a verdade, doa a quem doer (e como dói).

Como não têm o dom de iludir, os escritores se limitam a digitar laudas que contam rigorosamente como os fatos aconteceram. Tudo sem molho ou invencionices.

Um fracasso no trabalho, na família e com as mulheres, Mark subitamente descobre que é o único que tem o poder de mentir.

A partir daí, ele consegue fabular e inventar histórias mirabolantes, que envolvem naves espaciais e um “cara lá em cima que controla tudo”.

Ele deixa de ser roteirista e vira Deus.

Pois nem assim a felicidade toma conta do filme. Nas tramas de Gervais, tudo é sempre um pouco triste.

Esse autor inglês é um grande dedo-duro, capaz de apontar falhas até (e principalmente) no caráter do papa. Portanto, lá se vai a chance de finalmente observarmos um roteirista que passa por um filme sem apanhar.

Porém há esperança. E vem da televisão norte-americana.

Por lá, os roteiristas nunca tiveram tantas regalias e dólares.

Ser um criador de série é receber altos cachês, limusines e beldades.

Há uma inversão em relação ao cinema, fazendo com que o diretor agora fique em segundo plano, roendo o osso e esperando a sobra do champanhe.

Aposto que policiais, esportistas, investidores, advogados, atores e outros personagens que sempre beliscam a mocinha estão tremendo de medo.

Pelo menos na televisão, hoje os roteiristas são os heróis.

Agora, é só escrever uma série vingando um século de maus tratos no cinema.

http://www.youtube.com/watch?v=a-H2dNfx-Uw

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