A rajada de balas de Arthur Penn

A morte do diretor Arthur Penn aos 88 anos promove um raro momento de reflexão. Por dois ou três segundos voltamos para os anos 60/70 e lembramos da mais exuberante troca de olhares da história do cinema.

No final de “Bonnie e Clyde”, Warren Beatty e Faye Dunaway, a dupla transgressora, deixam escapar um daqueles prenúncios que só mesmo a arte é capaz de realizar.

O filme mais famoso dirigido por Penn foi lançado em 1967 (um ano milagroso para a cultura jovem e pop). Conta as aventuras de Bonnie Parker e Clyde Barrow, casal de amantes que assalta bancos, tenta fazer justiça com revólveres desajustados e, no meio disso tudo, se ama um bocado.

O longa é considerado o marco zero de uma geração que passou a fazer traquinagens em Hollywood. Com o sucesso (e depois de idas e vindas ele foi um estouro de bilheteria) de “Bonnie e Clyde”, a porteira do establishment tinha sido trucidada.

Os dois foras-da-lei invadiram a cabeça da moçada não porque fossem bandidos, mas sim por carregarem a bandeira de uma revolução estética.

Eles eram jovens, bonitos, tinham tesão e achavam que poderiam fazer qualquer coisa.

A idéia da ousadia foi de Robert Benton e David Newman, que no começo dos anos 60 trabalhavam na revista “Esquire” e eram viciados na nouvelle vague.

Resolveram escrever um roteiro para “sacudir a sociedade e dizer não aos caretas”, como fala Benton no empolgante livro “Easy Riders, Raging Bulls”, de Peter Biskind.

Animados com o que tinham rascunhado, resolveram beber direto na fonte e enviaram o material para o ídolo François Truffaut, que estava literalmente na crista da onda.

O francês se interessou, mas acabou enrolando a garotada.

Parecia que aquela seria mais uma transgressão natimorta.

Só que estávamos em fevereiro de 1966, uma época em que as coisas milagrosamente (às vezes com a ajuda de muita droga) aconteciam.

Warren Beatty, um astro e provavelmente já com muitas pequenas no currículo, soube da história de Benton e Newman.

Ligou para os caras, leu o script, conseguiu a grana e pensou em Bob Dylan para o papel principal (só depois o próprio Beatty estrelaria o projeto).

O jovem ator mostrava precocemente que daria trabalho para Hollywood. Inteligente, um tanto egocêntrico, conquistador e birrento, ele também era o produtor da fita.

Após levar o fora de outros cineastas, seguiu a dica dos roteiristas (que queriam alguém com pegada européia) e contratou Arthur Penn como diretor.

Penn estava numa pior – apesar das críticas positivas ao seus trabalhos. Aos 43 anos, tinha obtido alguma credencial por sucessos na TV e no teatro. Mas nos cinemas, vinha de dois relativos fracassos de público (“Mickey One”, 1965, e “Caçada Humana”, 1966).

Logo Robert Towne, o lendário roteirista de “Chinatown” e confidente de Beatty, entraria na jogada para consertar algumas cenas e ajudar na estrutura da trama. Estava formada a linha de frente dessa obra-prima.

Violento, poético, sexy e cheio de aspiração, “Bonnie e Clyde” era o filme certo na hora certa.

Ele conseguiu com precisão captar um sentimento que pairava no ar e era fumado nos bairros de San Francisco: os jovens queriam falar.

Aí chegamos na extraordinária sequência da morte desses dois anti-heróis.

A aventura tinha seu preço.

Anos depois a geração de Benton, Newman e Beatty também enfrentaria a barra pesada dos anos 70 e teria que encarar seus sonhos virando uma sinistra ressaca.

Tudo está comentado nessa decisiva troca de olhares.

Há dentro dessa cena um afeto que se encerra, uma despedida brutal e uma terrível cumplicidade.

Parece que além de dizerem “até logo”, também antecipam as palavras que depois seriam ditas por Wyatt (Peter Fonda) em “Sem Destino” (1969): “Jogamos tudo fora”.

Uma constatação melancólica, mas nunca um ato de arrependimento. Fizeram o que tinha que ser feito.

Pelo menos no cinema, bem que poderíamos ter uma dupla dessas em cartaz novamente.

http://www.youtube.com/watch?v=CMmafaFMJN8&feature=related

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