DOIS LIVROS
Não tenho idéia de como é a estrutura de um livro de auto-ajuda. Todas as frases trazem conceitos motivacionais? A tipografia segue um padrão que promete ajudar o leitor? O Augusto Cury repete temas ou costuma surpreender criando uma narrativa com a participação de vampiros?
Também pouco entendo sobre esse conceito. Pra mim, todo livro é de auto-ajuda (mesmo os ruins, pois me permitem pensar como sou estúpido ao perder meu tempo).
Já que inventaram essa classificação, sugiro uma outra: obras “medicinais”. Não aquela realizada apenas para os doutores. Mas sim uma lista dos mais vendidos com outras divisões, contemplando as obras “tarja preta”, “genéricas”, “placebo”, “aspirinas” etc.
Sigo a prescrição do escritor turco Orhan Pamuk. Em Outras Cores (Companhia das Letras), coletânea de artigos, palestras e textos dispersos, ele menciona que usa a literatura como remédio, que precisa ser injetada em seu corpo diariamente.
Por isso defendo mais uma vez a nova classificação. Livros são como drogas que nos curam (ou matam, mas aí é outro assunto).
Há um bom “tarja preta” circulando por aí. Desses que te animam, te colocam em pé mesmo num dia de terror quando a primeira voz que você escuta é da Ana Maria Braga.
Do que Eu Falo Quando Eu Falo de Corrida (Objetiva), de Haruki Murakami, empresta o título de um conto de Raymond Carver e é uma porrada de rivotril na testa.
Mistura de livro de memórias, manual para quem pretende começar a correr, pequenos ensaios sobre o ofício do escritor e… auto-ajuda (repito: apesar de eu não saber o que é isso), Do que Eu Falo… aborda muitos assuntos de uma maneira franca e bem-humorada.
Aparentemente desconexos, os temas se unem em torno de uma palavra: determinação.
Num dos trechos, Murakami conta quando e como decidiu se tornar um escritor.
Foi no dia primeiro de abril de 1978, por volta da uma e meia da tarde, durante um jogo de beisebol no estádio Meiji Jingu.
Até então, ele era dono de um bem sucedido bar de jazz. Eis o momento da revelação (na tradução de Maria João Lourenço para a edição portuguesa do livro):
“[…] O som do bastão de encontro à bola ressoou em cheio pelo estádio inteiro. Hilton, extremamente rápido, passou a primeira base e não teve qualquer dificuldade em acercar-se da segunda. Foi nesse exacto momento que um pensamento me atravessou o espírito: E que tal se eu escrevesse um romance? Ainda me recordo do céu, imenso a perder de vista, do cheiro da erva tenra, do som daquele impacto perfeito. Foi como se qualquer coisa tivesse caído do céu naquele preciso instante, e, independentemente do que fosse, eu a tivesse agarrado.”
Com a corrida foi a mesma coisa. Murakami começou a treinar para disputar maratonas, triatlos e ultramaratonas. Disposto a condicionar corpo e mente para realizar suas vontades, pouco se importou com os obstáculos ou a torcida adversária.
Do que Eu Falo… é um livro sobre agarrar as coisas no momento em que elas aparecem. E não largar.
Acho que isso ajuda bastante.
UMA CENA
Em Cyrus, da dupla Jay e Mark Duplass, o gigante John C. Reilly interpreta John, um loser. Ao contrário do Murakami, ele não está muito preocupado em capturar as oportunidades que aparecem nem respeitar os seus raros insights.
Ele está há anos curtindo a fossa do fim de seu relacionamento com Jamie (Catherine Keener). Sua rotina se limita a ouvir música no talo enquanto se masturba.
Numa festa, promete para si mesmo que tentará pela última vez alavancar outra paixão, mas fica bêbado e resolve mijar no jardim.
Então, conhece Molly (Marisa Tomei). Seria a melhor e derradeira chance para Reilly finalmente se dar bem.
O que ele faz? Corre para dançar Don’t You Want Me, do Human League, e deixa a pequena com um copo na mão. Mais do que se divertir, parece que novamente ele está se sabotando, desperdiçando outra alternativa de felicidade.
Mas eis que Marisa Tomei não desiste.
Um filme tristíssimo, com elenco impecável (Jonah Hill faz o filho carente de Tomei) e pelo menos essa bela cena, cheia de idas e vindas e alguma esperança.
Às vezes a sorte nos dá uma segunda chance.

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