UM FILME
O crítico norte-americano Roger Ebert escreveu algo que serve de alento para roteiristas. Ao comentar sobre a chatice de determinado protagonista, ele disse que para apreciar um filme, “não precisamos gostar do personagem principal, mas sim entender por que ele faz certas coisas”.
Alívio. Sempre é um perigo usar um anti-herói como o condutor da trama. A chance de perder a platéia é inversamente proporcional ao risco de ganhar na Mega Sena.
E quando os coadjuvantes são simpáticos, o vilão bacana e não há redenção no final… Boa sorte, meus amigos. Seu protagonista pode simplesmente ser lembrado como “aquele pentelho amargurado do filme com a gostosa Tal”.
Agora, se quiser mesmo apostar num sujeito maçante e até calhordinha como narrador, melhor contar então com um excelente ator/atriz, capaz de injetar carisma e sedução na brincadeira.
Está aí o Capitão Nascimento, um Dirty Harry de fuzil, que só cativou a moçada (Padilha e Bráulio inclusos) porque o Wagner Moura sabe o que faz (aliás, no segundo filme o sucesso também foi maior porque ele realmente passou a ser herói – e não anti-herói).
Em A Rede Social, de David Fincher, o roteirista Aaron Sorkin deu um nó na mesa e quebrou a banca.
Além de jogar com uma direção segura e um ator soberbo (Jesse Eisenberg, um dos melhores de sua geração e agora livre de ser confundido com Michael Cera), todos os seus palpites deram certo.
Mark Zuckerberg, o criador do Facebook e personagem principal do filme, não é um babaca. Mas, como diz sua advogada, se esforça minuto a minuto para se tornar um.
Diferentemente do livro no qual a história foi baseada (Bilionários Por Acaso, de Ben Mezrich), Mark surge no filme como um jovem nerd inteligentíssimo, determinado e… xarope.
Não há enigma nem mistério. Vamos acompanhar a trajetória de um anti-herói clássico, sem charme, enfadonho.
Na obra de Mezrich, não. Em nenhum momento deciframos por completo a esfinge Zuckerberg. Tanto que Saverin, os gêmeos Winklevoss e Sean Parker dominam a cena (já no longa, eles passam um pouco achatados).
O que fez Sorkin para nos aproximarmos desse monstrinho sem alma? Criou pelo menos duas sequências (a primeira e a última) que não estão no livro. E isso faz toda a diferença e separa Roteiristas de roteiristas.
No trecho antes dos créditos, Sorkin colocou aquele atordoante bangue-bangue de palavras, fazendo um dos prólogos mais interessantes do cinema recente (lembrando, pela taquicardia verbal, “The West Wing”, série que também roteirizou).
E no final… Fez a alegria de Roger Ebert, ao arredondar a nossa compreensão do personagem.
“Arrá, então é isso…”, o cinema todo suspira, feliz por juntar as peças.
Podemos achar o cara um porre, mas não dá para dizer que saímos da sala sem ter uma iluminação sobre Mark Zuckerberg (o do filme, pelo menos) – ou sobre o mundo em que vivemos.
E isto não acontece no livro. Ao fechar as páginas, queremos entender mais, buscar outras informações, tentar decifrar esse nerd recluso. Ficamos com o benefício da dúvida.
Assim, Mezrich nos dá um bom enredo de suspense; e Sorkin nos entrega o maior anti-herói dos últimos anos.
Um baita (e raro) casamento entre livro e roteiro.
OUTRO FILME
A citação de Roger Ebert no começo deste texto foi livremente retirada de uma crítica que ele escreveu sobre o filme Greenberg, de Noah Baumbach, que sai agora direto em DVD no Brasil.
Por aqui, o longa ganhou o nome de O Solteirão (eu sei, o título em português é estúpido).
Traz Ben Stiller como Roger Greenberg, um quarentão que volta a morar em Los Angeles após uma desastrosa temporada em Nova York.
Cheio de manias, ranzinza, beirando a misantropia, Greenberg é um anti-herói deprimente.
Ao contrário de fazer humor (quando o anti-herói sempre funciona por piedade), Stiller se entrega para a tristeza de seu personagem, realizando sua mais iluminada atuação (quase provando que poderia fazer o Simple Joe de “Trovão Tropical” com elegância).
Greenberg mostra que o século 21 também já está produzindo bons anti-heróis quarentões.

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