UMA CRÍTICA
Faz algum tempo que crítica de cinema não é levada a sério pelos jornalões e revistas do país. Geralmente o espaço é curto, o ensaio raso e o alcance nulo (ou unânime: ninguém liga).
Há um divórcio litigioso entre público e os críticos. Cada um está vivendo sua vida.
Como toda briga entre um casal que um dia fez juras de amor, há diversos culpados pela atual situação belicosa.
Fico apenas num deles. Tirando os suspeitos talentosos de sempre (e Inácio Araújo lidera o restrito grupo), a leitura de tais críticas mais irrita do que acrescenta.
São pequenos atestados de burrice e tentativas enfadonhas de fazer graça.
Houve um tempo em que o jornalista que chegasse atrasado na redação pagava uma prenda – tinha que redigir/inventar o horóscopo daquele dia.
Parece que hoje o castigo é escrever o comentário sobre a estréia da semana. Só alguma insanidade do tipo explica a quantidade de bobagens que falam sobre cinema ou mesmo TV nos cadernos culturais.
O coleguinha assistiu meia dúzia de BBBs e já ganha o crédito para criticar as imagens de Orson Welles ou dar bola preta para o novo filme do Godard.
Na era das imagens, todo mundo parece entender o que está vendo. Sei não.
Se o sujeito é fanático por futebol e sabe a escalação do time do Muzambinho de 1923, não significa que será um bom articulista ou excelente árbitro.
Então temos que ler coisas como “se fosse mais ousado, o filme seria melhor”. Como é que é? Será que nenhum editor é capaz de desconfiar de uma frase assim?
O que é ousadia? Tirar a roupa dos atores? Fazer tudo em sépia sem trilha sonora? Filmar durante duas horas a Mônica Bellucci dizendo “eu te amo, Berlusconi”?
Também parece que toda crítica de cinema tem que ser bacaninha e engraçada, cheia de citações e frases de efeito (o que geralmente só nos enche o saco com seus clichês).
Para deixar a situação ainda mais insólita, o mesmo sujeito que pediu mais ousadia para um Tony Scott pode achar o novo Coppola um lixo justamente por ser… ousado.
Vai entender.
UM ROTEIRISTA
Peter Morgan começou a carreira escrevendo roteiros para a TV britânica nos anos 90 do século passado.
É hoje um dos escritores mais interessantes do audiovisual.
Depois de três excelentes filmes políticos (A Rainha, O Último Rei da Escócia e Frost/Nixon), ele conseguiu realizar um belo texto sobre a morte.
Além da Vida, dirigido por Clint Eastwood, é assustadoramente bem estruturado.
Segundo Morgan (boa entrevista aqui), seu roteiro foi levado linha por linha para as telas.
Dá para perceber que Clint acreditou (ou quis acreditar) nessa história.
É como se agora houvesse um alívio para o desiludido Walt Kowalski, de Gran Torino. Ou seja, o desconhecido não precisa ser tão ruim assim.
Há no filme três personagens principais. Uma jornalista francesa (Cecile de France) que após quase morrer no tsunami na Indonésia em 2004 passa a pesquisar sobre o além; um garoto inglês (Frankie McLaren e George McLaren) que tenta se comunicar com o irmão gêmeo que acaba de falecer; e um paranormal (Matt Damon) que pretende esquecer que os mortos existem.
Há na estrutura pensada por Morgan um andamento brilhante. O longa começa assustador, com um desastre natural cheio de fúria, som e morte. É a natureza varrendo qualquer explicação sobre nossa condição no planeta.
Ao longo do filme, tudo vai ficando mais quieto, pacífico. Conforme os personagens passam a compreender a morte, a raiva e o barulho diminuem.
Para narrar a história, temos um lado mais informativo, baseado em dados e investigação calculada (a jornalista); e também o intuitivo, leigo e emocional (o garoto). Para mediar tudo, um especialista.
Há muito o que pensar sobre Além da Vida e sua extraordinária capacidade de lidar com a morte em diversos níveis (a natural, a trágica, a esperada, a política, etc.).
Peter Morgan ainda coloca (segundo ele por puro capricho) cenas para exaltar Charles Dickens.
Um trabalho sublime, em que há uma apaixonada crença nas imagens e nas palavras.
UM SITE
Só comentando, explicando e analisando a apresentação dos créditos de filmes. Coisa fina. Em destaque, a abertura de Scott Pilgrim Contra o Mundo.
O site está aqui.

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