UM SONHO
Parece que as coisas de fato não andam bem lá pras bandas de cima. O Obama tenta colocar um tantinho de esperança nos seus discursos, mas a América insiste em mostrar que o sonho acabou (ou se transformou em pesadelo).
Não está fácil para ninguém. O milionário herói de filmes de ação não sabe o que fazer com essa bonança toda que só o cinema parece ainda prover; e a mocinha pobre então tem que cuidar dos irmãos menores, da mãe doente e ainda encontrar o pai, um ex-presidiário que não consegue largar a turma mais barra pesada.
Dois filmes que acabaram de entrar em cartaz revelam um Estados Unidos capenga, viciado na miséria física e intelectual.
E podem colocar a culpa nas mulheres. Será que elas andam mais sombrias que os machos?
Inverno da Alma (Winter’s Bone), de Debra Granik, é um primor de narrativa. Desde já uma das grandes estréias do ano.
Este é o da garota (Jennifer Lawrence) que precisa matar um esquilo por dia para sobreviver. Vivendo na região conhecida como Ozarks (que pega parte do Missouri e de Arkansas), ela tem 17 anos e, apesar da desgraça, ainda carrega alguns desejos. O principal deles é se alistar no Exército para pegar a bolada de US$ 40 mil (bônus para quem se arrisca na carreira militar) e ajudar sua família.
Além dos perrengues patrocinados pelo cotidiano, ela corre atrás do pai, que está foragido e, provavelmente, voltou a produzir metanfetaminas.
O que poderia resultar numa Odisséia com cara de novela das nove e narração do Datena, vira um enérgico suspense, com diálogos certeiros e uma história surpreendente.
Sem apelar para a miséria explícita, o olhar de Debra é respeitoso, da soleira, sempre limpando os pés e pedindo licença para invadir qualquer intimidade.
A câmera acompanha Jennifer em sua jornada, mas mantém uma certa distância, nunca revelando demais nem forçando a barra.
Passeamos por florestas geladas, vislumbramos carcaças de automóveis, de bichos e homens. Há uma desolação, espaços vazios preenchidos por casas de madeiras, que são ocupadas por atitudes sempre misteriosas.
O impecável elenco é levado pela delicada interpretação de Jennifer Lawrence, que consegue arrancar ternura e confiança até de Hitler.
E para completar há uma cena brutal, tão cheia de significados e força, que qualquer roteirista daria a mão para ter escrito.
Se para os lados do Missouri a corrupção, o tráfico e a pobreza invadiram os lares, na ensolarada Hollywood as coisas estão financeiramente melhores.
Stephen Dorff é Johnny Marco, um astro de filmes de ação em Um Lugar Qualquer (Somewhere), de Sofia Coppola.
Morador do legendário hotel Chateau Marmont, em Hollywood, o sujeito vive uma rotina de festas, bebedeira, shows de gêmeas loiras com roupas de tenistas dançando em postes libidinosos e passeios numa Ferrari sempre com o tanque cheio.
Em troca de tudo isso, ele tem que… Bem, tem que fazer nada.
Porém, como dizia a vovó, cabeça vazia é a casa do Diabo.
Johnny tem uma filha, Cleo (Elle Fanning). A partir de uma maior convivência com essa adolescente, ele acaba questionando alguns sólidos valores de seu sonho.
Toda a carga dramática do filme já é escancarada na sufocante sequência inicial, que mostra o ídolo dando voltas em um quarteirão com sua Ferrari.
Sem tomadas de tempo, sem ter para onde ir nem mesmo qualquer outro objetivo, de que vale continuar por aqui?
Johnny percebe que Hollywood está mais próxima de David Lynch do que de Steven Spielberg.
Ou ainda, ele parece ecoar o que Marlon Brando disse para Truman Capote em fenomenal artigo de 1956: “Essa coisa de ser um ator de sucesso. De que adianta, se não evolui para nada? Tudo bem, você é um sucesso. Pelo menos é aceito, é bem-vindo em todos os lugares. Mas é isso, não há nada além disso, não leva a lugar nenhum. Você está apenas sentado sobre uma pilha de doces acumulando grossas camadas de… de crosta”.
Parece que as coisas não mudaram muito por lá.
Tanto na gelada Missouri quanto na quente Califórnia, os personagens desses filmes vagam não mais atrás de um sonho, mas somente em busca de um motivo para continuar vivendo.
Mas, se serve de alento, as garotas que dirigiram essas duas luminosas obras ainda acreditam em algo. Os finais nos lembram que o cinema pode mostrar alguma luz no fim da história.
UM TRAILER
Então vamos para um divertido pesadelo. Vem aí Pânico 4, de Wes Craven. Sempre metalingüístico e hilário, essa série de filmes de terror prova a criatividade sem fim dos roteiristas. Será possível surpreender? Se antes as referências já dominavam tudo, imaginem na quarta parte e nesta nova década, em que tudo parece ser plágio e imitação.
