Cinema de ator

UMA ERA

Sei não, mas parece que estamos bem no meio de uma era de ouro para os atores e atrizes de língua inglesa.

Pensando um tantinho nos indicados ao Oscar (cerimônia dia 27 de fevereiro) na categoria de melhor filme, todos são carregados por sublimes interpretações.

Em alguns casos, conseguem transformar o banal em imperdível.

A maioria dos dez concorrentes ao prêmio máximo será lembrada pelas suas interpretações – e não por arroubos estilísticos da direção ou roteiros elaboradíssimos.

Chutando uma certa tendência, a TV hoje abriga as melhores – e surpreendentes – histórias. E o cinema se vira com a competência de seu elenco e efeitos 3D.

O gado tomou a cocheira. Nem produtores nem diretores, parece que o star system nunca esteve tão forte.

A dupla de O Discurso do Rei, por exemplo, é operística, atuando com tanta força física e tamanha capacidade verbal que nos comove divinamente.

Nem um Christopher Hitchens contando que aquilo tudo é balela nos convence que a história não foi daquele jeito (um jeito bem gracioso, aliás).

Colin Firth faz seu rei George VI, escandalosamente gago e inseguro, virar um monarca digno de pena. Mas também provoca compaixão e, sem perceber, começamos a torcer por alguém da monarquia inglesa.

Geoffrey Rush, como o terapeuta Lionel Logue, responsável por tentar curar a gagueira de Sua Majestade, concilia com perfeição a astúcia e a subserviência do tal “homem do povo”.

E Helena Bonham Carter, como a futura rainha-mãe Elizabeth, coroa a brincadeira desfilando com seus chapéus e palavras de compreensão.

Um filme tão simpático que poderia provocar até um novo plebiscito pela volta da monarquia brasileira (com certeza renderia ótimas histórias para nossos roteiristas).

Outro dueto cômico-trágico é protagonizado por Mark Wahlberg e Christian Bale em O Lutador, de David O. Russell.

Bale vai se firmando como uma espécie de mistura entre Marlon Brando e Robert De Niro, um sujeito esquisito, com forte sotaque galês, capaz de impressionantes – e perturbadas – interpretações, emagrecendo, engordando e dedicando tudo pela ciência (das artes cinematográficas).

Mais do que isso. Ele é o legítimo sucessor de Klaus Kinski. Seus gestos são brutais, sua entrada em cena sempre é seguida de um estardalhaço. Um gênio.

Fazendo o decadente – e viciado em crack – ex-lutador Dicky Eklund, ele domina o filme. Wahlberg faz seu irmão, Micky Ward, candidato para se tornar nova sensação do boxe.

Apesar de toda lama e decrepitude, os dois seguem firmes, com incrível leveza, acreditando que se tudo for para o buraco, sempre existirá a família para oferecer proteção (Melissa Leo faz uma formidável matriarca).

Apesar do interessante uso da TV para avalizar as imagens (um documentário da HBO é o que muda o filme e várias cenas de luta são transmitidas como se fossem captadas para TV), o que nos move são as interpretações.

Tanto do calado e sofrido Walhberg (um dos atores mais ativos – sem trocadilho – de Hollywood), como do exagerado Bale.

Para ficarmos ainda nas duplas, uma feminina toca em temas tabus e também leva para o Oscar um filme politicamente incorreto (termo que precisa de nova avaliação, pois hoje tudo parecer ser politicamente incorreto).

Minhas Mães e Meu Pai, de Lisa Cholodenko, traz Annette Bening talvez em sua melhor fase, com um olhar sempre atento, e uma indescritível paixão em cena.

Casada com Julianne Moore, as duas, no filme, realizam aquela proeza de nos levar para o interior de uma relação amorosa, com todos seus fracassos diários e conquistas esparsas.

No papel de mulherzinha, Julianne faz bem o que está costumada. Mas é Annette que surpreende, sendo um marido exemplar (inclusive nos defeitos).

Os candidatos a melhor filme também demonstram como alguns atores e atrizes superaram o desafio de individualmente concentrarem todos os olhares.

Em 127 Horas, de Danny Boyle, James Franco mergulha fundo na desgraça ao ficar preso numa rocha. Sozinho, sem conseguir se desgarrar, ele tenta interiorizar todo o sofrimento. Suas lágrimas e desespero nos comovem (apesar de Boyle fazer questão de nos afastar todo o tempo daquele martírio).

Mesma coisa acontece em Cisne Negro. O diretor Darren Aronofsky nos açoita com obviedades, explicações e sandices.

Cabe a Natalie Portman colocar um tanto de sutileza na ação. E ela realiza a manobra com extrema eficiência.

Os outros indicados – Rede Social, Inverno da Alma, Bravura Indômita, A Origem – também demonstram que atores e atrizes estão com tudo, levantando projetos e dominando a indústria.

Curiosamente, talvez o melhor deles, Toy Story 3, não depende de atores (fisicamente, pelo menos).

Será que isso quer dizer algo?

De qualquer maneira, olhando para o Oscar, parece que a turma da interpretação dominou o cinema em 2010.

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