UM PALPITE
Lendo Cinefilia (CosacNaify), de Antoine Baecque, ainda não encontrei nenhuma análise sobre como a turma da nouvelle vague assistia aos créditos finais de um filme.
O livro estuda a época de ouro da cinefilia na França, entre a Segunda Guerra Mundial e as mobilizações de 1968.
Como define Baecque, é “… um momento em que o olhar sobre o cinema se fez ávido, em que as imagens, como que arrebatadas pelas reapropriações de alguns espectadores, transformaram-se em fragmentos da vida íntima, em que os filmes assumiram sentido para os diletantes privilegiados como outras tantas provas materiais em seu panteão pessoal, em que as projeções se fizeram cultura de grupo a golpes de discussão, escritas, publicações e polêmicas”.
Todo um processo que não existe mais (ou melhor, até acontece em pequenos grupos que não alcançam a repercussão desse passado recente).
Cinema, um dia, foi coisa séria; uma arte capaz de rivalizar com literatura, música e política na hora de despertar paixões.
Hoje raramente encontramos numa sala alguém disposto a acompanhar um filme como se estivesse numa missa.
Claro, Baecque nos conta como tudo mudou e que hoje não há cinema que possa ser considerado o Vaticano, Meca ou Jerusalém.
Mas nenhum texto que mostre como a arte cinematográfica perdeu a força intelectual de outrora chega perto da experiência de um final de sessão em qualquer cinema brasileiro.
O vilão nem deu o último suspiro, a mocinha ainda está passando batom para o beijo final, e os lanterninhas (devidamente sem lanternas, claro, mas com aqueles rádios infernais) abrem os portões.
A turma sai em debandada ligando os celulares, combinando a pizza e jogando o resto de pipoca no amiguinho da frente.
Uma experiência mais próxima de um Palmeiras e Corinthians do que uma missa.
Mas um clássico que não valia nada, que ficou num melancólico zero a zero, tamanha a incapacidade na hora de despertar reações após seu término.
Outro dia, ao final de Besouro Verde, de Michel Gondry, fiquei particularmente assustado e solitário.
Foi o tempo de me abaixar para pegar um livro que tinha caído e, quando voltei para contemplar os créditos, não existia mais nenhum espectador na sala – e antes de eu me distrair por dois segundos ela estava abarrotada.
Nem bem o nome de Seth Rogen apareceu e uma mocinha já me pediu licença para recolher o lixo e empurrou o pentelho óculos 3D para uma sacola preta.
Esse desdém que a moçada faz questão de frisar para com aquelas pessoas todas que tentaram fazer um filme (ainda obra de arte?) não se limita aos blockbusters.
Seja no Apichatpong ou no Michael Bay, ninguém mais lê os créditos finais.
Saber onde algumas cenas foram gravadas, descobrir que aquela passagem foi realçada com um Tchaikovsky, contar quantos assistentes tem o Al Pacino…
Tudo isso parece ter ficado no tempo do vovô, este sim cinéfilo de carteirinha e doente mental por perder mais cinco minutos degustando aquele facho de luz numa tela agora enegrecida.
Será que isso diz alguma coisa sobre o fim da cinefilia?
Esse comportamento do público após a última imagem pode nos levar a um pensamento sobre a falta de reflexão em relação aos filmes?
Esse movimento de desprezo é geral. Críticos também têm que sair correndo das cabines (para escrever os textos; para não pegar trânsito; para tentar um último lanchinho); em Mostras, ninguém pode ficar até o fim porque precisa pegar o próximo filme.
Há sempre essa corrida, esse abrupto término da experiência quando a palavra “the end” rasga a tela.
É como terminar um livro e jogar a papelada no lixo; ou sair da missa arrotando e sem pensar no discurso daquele cara com vestes esquisitas.
Preciso continuar lendo o Baecque e ver se antes ficavam lendo os créditos.
Quem sabe aí exista alguma lição, algum caminho?
Será que o cinema mudou ou foi a platéia?
UM TRAILER
Greg Mottola já dirigiu alguns episódios da série Arrested Development e colocou brilho em histórias bem humoradas sobre a adolescência (em Férias Frustradas de Verão e Superbad). Neste ano, ele vem de Paul, uma daquelas coisas que são inexplicáveis e que os gringos sabem fazer tão bem. Falta essa inventividade maluca para o cinema nacional.
