Homens e Deuses é um filme de terror. Envolve o sobrenatural, cabeças degoladas e pessoas presas num fim de mundo. Só que esse martírio não acontece rapidamente e aos borbotões. Nem há personagens planos de fácil identificação ou qualquer ação desenfreada. Difícil tuitar um “vendo Homens e Deuses… irado!”. Mas este filme dirigido pelo francês Xavier Beauvois causa mais pavor do que qualquer Atividade Paranormal. Ficamos inertes diante da intolerância e, lembrando do livro de Tony Judt, espantados com o mal que ronda a Terra.
O longa relata o cotidiano de oito monges cistercienses na Argélia em 1996. O país atravessa uma guerra civil e radicais islâmicos travam duros combates com o exército local. Mesmo convivendo pacificamente – e até mesmo sendo adorados – com a maioria muçulmana que habita o vilarejo onde está o mosteiro, os religiosos se vêem numa encruzilhada; com a intensificação do conflito, os monges passam a ser vistos como moedas de troca e correm risco de seqüestro ou assassinato. Surge a dúvida: ficar e confiar na missão divina; ou abandonar o posto, voltar para a França e tentar lutar de outra forma.
(Pequena intervenção. Em sua maioria, as críticas sobre o filme mencionam os tais “monges cistercienses” como se fossem velhos conhecidos do leitor, que já os imagina tomando Coca-Cola ou nadando em riachos. Curioso como poucos descreveram minimante o que significa ser um cisterciense. Resta saber se por opção ou por simples preguiça. Num resumo tosco, cisterciense é uma ordem que segue as regras de São Bento, equilibrando a oração e o trabalho – e valorizando muito este último.)
Homens e Deuses proporciona imensa paz em sua primeira hora, quando mostra sem pressa o cotidiano do mosteiro. Também se debruça sobre a comunhão entre as religiões e os povos. Há uma busca de igualdade (mesmo com tudo sendo tão desigual). Monges lêem o Alcorão e participam de festejos islâmicos. Existe uma utopia, um ensaio sobre a tolerância.
Logo depois esse silêncio é quebrado tanto pelos terroristas como pelo governo. Aparece a insegurança e, com ela, o medo. Pior: não há cântico que resolva. Ou melhor, a música (a arte) ainda serve como uma pálida lembrança de que homens (e não deuses) são também capazes de produzir o sublime – a cena do jantar ao som de Lago dos Cisnes é inesquecível.
Sem oferecer alento, esperança ou justiça, o filme nos joga dúvidas. É saudável não nos manifestarmos contra um mundo onde coisas assim acontecem?
Voltando para o escritor e historiados Tony Judt (morto ano passado) e seu O Mal Ronda a Terra (Objetiva, tradução de Celso Nogueira), a orelha do livro revela bastante sobre um tipo de pensamento que Xavier Beauvois consegue com seu longa-metragem. Escreve Judt: “Há algo de profundamente errado na maneira como vivemos hoje. Ao longo de trinta anos a busca por bens materiais visando o interesse pessoal foi considerada uma virtude. (…) Sabemos o preço das coisas, mas não temos idéia de seu valor. Não fazemos mais perguntas sobre uma decisão judicial ou um ato legislativo: é bom? É justo? É adequado? É correto? Ajudará a melhorar o mundo ou a sociedade? Essas costumavam ser as questões políticas, mesmo que suas respostas não fossem fáceis. Devemos mais uma vez a aprender a fazê-las”.
Em Homens e Deuses há muitas delas.
UM TRAILER
Outro que gosta de nos cutucar é o dinamarquês Lars von Trier. Seu próximo filme, Melancholia, tem um trailer belíssimo, que promete muita estética sobre o fim do mundo – que é um grande tema do audiovisual contemporâneo. O planeta tem sido destruído de forma sistemática e visualmente pobre nos últimos anos. Nada mais justo do que um lindo final para nossa trajetória por aqui. Será que Von Trier encontrou uma maneira sublime de enfrentarmos o abismo?

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