Pânico 4 e a briga entre ficção e realidade

Não sei se o interessante filósofo esloveno Slavoj Zizek escreveu sobre Pânico 4. Caso não tenha batucado um daqueles seus conturbados artigos, fica a dica. O novo filme da franquia dirigida por Wes Craven e escrita por Kevin Williamson oferece pouco terror e muita reflexão (mesmo que esta tenha tanta mira quanto as facadas de Ghostface).

Hoje, muita gente já entrou na era da refilmagem da vida real. Não estamos mais simplesmente imitando as celebridades ou o que vemos na TV. Tudo aquilo que o crítico cultural Neal Gabler escreveu em 1998 no seu Vida – O Filme – Como o Entretenimento Conquistou a Realidade ganha um segundo round que Pânico 4 acompanha com enorme desenvoltura.

Gabler mostrou em seu ensaio como a lógica narrativa difundida pelo cinema e pela televisão dominou o nosso conceito de “vida real” no final do século 20. Somos atores e não pessoas; seguimos roteiros e não destinos; temos autores e não Deuses, etc.

Porém, na correria da última década, o mundo parece que se deu conta de seu aprisionamento pela ficção e resolveu dar o troco. Talvez esteja na hora de Gabler produzir um Vida – O Filme 2 – Como a Realidade Pretende Surpreender o Entretenimento.

Não mais contente em ser protagonistas de enredos pré-determinados, os adolescentes de Pânico 4 inventam novas formas de crimes, tentam escapar dos clichês e buscam retomar o domínio de suas vidas (claro, filmando tudo e colocando na rede).

Apenas imitar Hollywood é assumir a incapacidade de criar. Ser o Ghostface (o assassino serial da série dentro do filme) no mundo real não dá mais notoriedade a ninguém (afinal, as imagens mostram que qualquer um pode colocar uma máscara e sair por aí distribuindo facadas). Há uma necessidade urgente de driblar os clichês e provar que a existência pode oferecer novas idéias para os roteiristas.

O novo longa de Craven dialoga também com Reality Hunger, livro de David Shields que explora a atual sede de realidade da produção cultural. Em Pânico 4 existe uma constante busca pela originalidade das ruas, uma tentativa heróica de indivíduos querendo jogar fora suas personalidades cheias de clichês e reconquistar uma humanidade perdida (mesmo que isso signifique virar um assassino diferentão).

Essa busca por algo “real” no mundo contemporâneo (por isso essa quantidade imensa de reality shows, filmes baseados em fatos reais, livros originados de depoimentos etc.) pode vir da pergunta: Quem nós éramos antes de tudo se tornar uma imensa ficção?

Pânico 4 começa com vários filmes dentro de filmes que desembocam no próprio filme que estamos assistindo. Uma confusão brilhante e provocativa que poderia agradar Duchamp, Tzara ou qualquer dadaísta. Nesse grande embaralhamento de imagens e narrativas, qualquer coisa é irreal; e qualquer ficção pode ser real. E atenção: nós estamos nesse jogo. Após essa abertura, nada nos garante que não fazemos parte dessa brincadeira. Tomar uma facada enquanto ficamos rindo dessa maluquice pode ser apenas mais uma cena daquilo que reservaram para o personagem que interpretamos no planeta.

Não existe mais susto ou terror em Pânico 4 porque todos agem como se de fato estivessem vivendo uma ficção. Assim, o policial designado para uma missão estúpida sabe que vai morrer; a mocinha que se arriscar a ficar sozinha em casa após receber um telefonema X também deve encontrar a morte; e a garota que move toda a obra não deve sofrer maiores danos porque assim o filme (a vida) acabaria.

Tudo soa falso porque de fato a vida é uma repetição de idéias prontas. Os personagens trazem discursos na ponta da língua, frases espertas e ações que já viram por aí em filmes, sites, vídeos, clipes etc. Todos vivem aprisionados num enredo fixo.

Porém, Pânico 4 nos dá uma alternativa e aponta para uma geração que – por vias tortas, é verdade – tenta redefinir seus papéis. Assim, alguns adolescentes de Woodsboro, a comunidade onde acontece os crimes da cinessérie, já estão no futuro, buscando refilmar a vida real.

Em vez de cometer um crime que viram nos cinemas, agora chegou a época de executar a mesma ação, mas colocando um toque de real, mostrando que quem manda nessa história somos nós.

(Aqui vale um parágrafo sobre o curioso final, com uma triste vitória do clichê e um lamento pelo anti-herói – mas aí seria estragar demais o prazer de assistir ao filme.)

E a guerra está apenas começando. O 3D foi a resposta da ficção para as surpreendentes reviravoltas que a realidade ainda consegue proporcionar. Os óculos tridimensionais se tornaram armas para aumentar ainda mais o nosso desejo por viver eternamente num filme.

E aí entra também nosso fascínio redobrado pela natureza. Quando assistimos embasbacados às imagens do terremoto do Japão, podemos dormir satisfeitos pensando que a realidade pode nos apanhar de improviso. É como se pudéssemos respirar aliviados por não estarmos presos a um papel produzido por Hollywood.

Pânico 4, ao mostrar jovens tentando reorganizar suas existências para serem mais inteligentes e inovadores que os roteiristas da série Stab, nos mostra mais uma vez o desespero do homem para refilmar sua própria existência, mas agora na versão do diretor e sem cortes.

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