Thor mostra que Terra é o inferno

Não tinha como dar errado. Pelo menos um ignorante em quadrinhos (eu) pensou assim quando soube que a história do Deus Thor seria dirigida pelo Kurt Wallander. Somente um detetive sueco poderia dar conta de todos os mistérios de um personagem da mitologia nórdica.

Fãs da obra original de Stan Lee, Larry Lieber e Jack Kirby que me desculpem, mas uma sacanagenzinha aqui e ali é fundamental – mesmo que tenham que fazer o Heimdall ser um Michael Jackson ao contrário, que de branco nos desenhos virou negro nas telas. Tudo pelo bem maior, que é divertir pobres mortais que não entendem nada sobre Gigantes de Gelo, nove reinos de Asgard ou reluzentes pontes de arco-íris (aliás, que imagens bacanas aquelas da ponte).

Deixo aqui meu agradecimento para o diretor Kenneth Branagh, essa figura shakespeariana que foi capaz de narrar com desenvoltura uma história complexa e ainda colocar os petulantes humanos no lugar onde merecem estar: numa terra de fracos e ingênuos.

Deve ser resquício do complexado Wallander, policial inventado pelo escritor sueco Henning Mankell e desempenhado na TV – numa série da BBC – por Branagh. Tanto nos episódios televisivos do detetive como no filme Thor, os humanos são desprovidos de qualquer divindade. A raça que vive no planeta azul tem imensas falhas de caráter e nenhum superpoder. É apenas um canto pobre e sem qualquer atrativo para um Deus, vamos dizer assim.

O interessante em Thor é o quanto o herói espezinha o ego da molecada que vive em um dos desertos da Terra. Como todos devem mais ou menos saber, o sujeito que tem um martelo com poderes ilimitados (para impressionar a turma, lembre-se que o nome oficial do objeto é “mjolnir”) é banido pelo pai dele, Odin (Anthony Hopkins, quem mais?), do reino de Asgard e acaba sendo exilado na Terra. Seria como mandar o Obama, assim que ele sair da Casa Branca, para o Afeganistão.

Aqui, além de perder os poderes sobrenaturais, Thor tem que viver com a mente atrasada da galera. Como conversar com pessoas sem instrução, incapazes de inventar viagens por buracos negros ou raios cósmicos que destroem planetas inteiros? O coitado do Thor só não se entedia mais porque pelo menos nossas meninas têm a cara da Natalie Portman. A Cisne Negro é quem interpreta Jane Foster, cientista determinada que vai ajudar o garotão a levantar o martelo e voltar a ser um bambambã do universo.

Tirando esse irritante óculos 3D (mais sobre isso abaixo), o longa consegue uma bela medida de diversão ao alterar o drama familiar dos Deuses com as engraçadas peripécias de um ex-Todo Poderoso no inferno.

E, para deixar tudo mais provocativo, fere com vontade aqueles que se acham especiais. Thor prova que somos apenas mais uns coitados habitando um insondável universo.

JACKSON E CAMERON X DELILLO

Peter Jackson anunciou que vai exibir seu próximo filme, O Hobbit, na velocidade de 48 quadros por segundo, que é o dobro do que vemos nos cinemas hoje em dia. James Cameron, essa espécie de Sting nerd, também diz que Avatar 2 e 3 serão assim, mais rápidos. Isso não significa que vamos assistir a filmes em fast. Mas apenas que o sistema capta mais detalhes e adquire uma aparência mais próxima do que chamam de vida real (e elimina os borrões do 3D).

Já o novo livro do escritor norte-americano Don DeLillo, Ponto Ômega, começa com um capítulo sobre uma exposição de arte. É lá que seguimos um personagem que fica fascinado pelo vídeo 24 hour Psycho, de Douglas Gordon. O filme reproduz o longa Psicose, de Alfred Hitchcok, numa velocidade lentíssima e sem som. A ação que deveria durar 109 minutos é estendida até permanecer um dia inteiro sendo exibida numa tela.

O espectador do experimento acaba observando em detalhes uma piscada de Anthony Perkins – ou tem todo o tempo do mundo para contar quantas argolas se soltam da cortina na famosa cena do chuveiro.

Assim o narrador define a experiência na página nove: “Quanto menos havia para ver, mais ele olhava, mais ele via. A questão era essa. Ver o que está aqui, finalmente olhar e saber que se está olhando, sentir o tempo passando, estar vivo para o que está acontecendo nos menores registros de movimento”.

Em vez de se aproximar do real, tentando mimetizar a velocidade do nosso olhar, o vídeo busca o oposto. A nossa pressa, o exagero de poeira nos olhos, a ficção que criamos para nossas vidas transforma tudo em irreal. O verdadeiro estaria no silêncio, no ponto ômega do título, na lentidão de 24 Hour Psycho.

Será que alguns filmes não deveriam baixar a velocidade em vez de aumentá-la? Será que essa tentativa de se aproximar do real com o 3D e 48 quadros por segundo não é justamente afastar o poder de abstração da arte? Vale perguntar para o Thor quando ele pintar por aqui.

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