Um amigo me pergunta se eu tenho algum palpite sobre os motivos de tanta gente sair de casa para assistir ao Meia-Noite em Paris, o novo Woody Allen. “Não sou nenhum Contardo Calligaris, mas arrisco algumas coisas”, eu respondo. “Acho que é o filme certo, na hora certa, para o público certo”, dou uns chutes e fico com a obrigação de continuar a tese.
Sou puxa-saco do cineasta nova-iorquino e nunca engoli esse papo de “um filme menor de” (leia mais aqui). Assim, Allen não voltou para a boa forma (porque nunca saiu dela) ou deixou de ser ranzinza e pentelho. Meia-Noite… é a continuação lógica de uma carreira sempre ousada, esperta e em constante diálogo com seu tempo.
O seu longa mais recente é o Manhattan do século 21, com Paris tomando o lugar de Nova York; Owen Wilson fazendo o mesmo roteirista frustrado que busca escrever alta literatura que Allen interpretou no filme de 1979; e o rosto de Léa Seydoux substituindo a face de Mariel Hemingway num final poético e cheio de boas possibilidades.
Porém… Ah, porém… Temos a dose certa de A Rosa Púrpura do Cairo, filme de 1985 que celebrava o cinema como começo e fim de todos os males do coração. Há muita magia em Paris e, melhor ainda, sem final amargo.
Meia-Noite… é um sucesso porque boa parte do planeta está frustrada, andando a esmo como o herói Gil Pender (Owen Wilson). No filme, ele é um roteirista de razoável sucesso, autor de várias baboseiras de Hollywood, que volta no tempo e passa a viver algumas noites na mítica Paris dos anos 20, em volta de seus ídolos – Ernest Hemingway, Scott Fitzgerald e Cole Porter, entre tantos outros.
Essa fuga ao passado é muito mais uma tentativa de superar as frustrações do presente do que simplesmente curtir uma noitada muito louca. Assim como boa parte das pessoas, Gil descobriu que o futuro não é um bom lugar para se viver. Há republicanos por todos os lados; pedantes idiotas que arrotam conhecimento que pegaram na Wikipédia; uma burrice generalizada que busca diariamente mostrar o quanto o ser humano é imbecil etc.
Nada mais coerente do que se mandar daqui. E se em Tudo Pode Dar Certo Larry David tentava o suicídio, em Meia-Noite… Gil não tem nem mesmo essa oportunidade (talvez por ser mais jovem). Só resta flanar por Paris.
Poderia ser a história de um jovem espanhol desempregado doido para retornar ao início dos anos 80, quando a Espanha fervilhava ainda comemorando o fim do franquismo; ou a narrativa de um músico carioca deslocado que, cansado de tocar para ninguém em barzinhos da moda, passa a conviver com João Gilberto (se é que alguém conviveu com ele), Tom Jobim e Vinícius no Rio de Janeiro do final dos anos 50; ou então um ator norte-americano desempregado, que só contracena com máquinas e chroma keys, que se vê na Hollywood dos anos 20, 30, no auge do star system; ou um publicitário que caísse no meio de um episódio de Mad Men, podendo bolar uma campanha de cigarro tendo como parceiro Don Draper.
“É a fantasia, estúpido”, eu disse para meu amigo. E não é que ele concordou? “Quem não é frustrado hoje em dia?”, ele reclamou.
Desde Match Point, Allen andava bem baixo astral, colocando em cena seus tradicionais personagens deslocados e neuróticos, mas baixando cada vez mais a dose de boas perspectivas. As coisas se resolviam, só que ficavam sempre à espreita de um novo fracasso. Os protagonistas simplesmente aceitavam, acatavam as porcarias de seus destinos – o final de Tudo Pode Dar Certo oferece a melhor síntese para o pessimismo “alleniano”.
E o que acontece em Meia-Noite em Paris? Deu a louca no Woody. Essa escapada em direção a um mundo melhor modifica a vida de Gil Pender como nenhuma artimanha anterior tinha feito com o destino dos protagonistas nos filmes recentes do diretor. Saem de cena os temíveis fantasmas de Match Point e entram na área Marion Cotillard, Buñuel, Gertrude Stein e Picasso.
O que vale não é viver do lado de lá (seja no passado ou na morte), mas saber o que podemos aprender com os espíritos e melhorar nosso passeio do lado de cá.
Allen oferece esperança. E numa época horrível, com o final dos tempos baforando no nosso cangote, esse é o melhor remédio – e talvez o que nos resta.

sabia que a gente ia discordar! hahahahaha
http://publicaveis.wordpress.com/2011/07/20/meia-noite-em-paris-nao-e-arquivo-de-dispositivo-movel/