Itaquerão: A Origem

 

Ah, esses malditos cientistas! Até que eles têm boas intenções, mas são tão prepotentes, coitados. A gente sabe que esses sujeitos de jaleco branco são meio malucos, mas gostamos deles, afinal vivem em laboratórios procurando o avanço da raça, a cura para doenças esquisitas e outros milagres. Porém, por que eles teimam em mexer em vespeiros criacionistas? Ainda não aprenderam que em certas situações o melhor é deixar como está? Em time que está ganhando (ou pelo menos empatando) não se mexe, pô.

O vilão da vez é o lesado doutor Will Rodman (o lesado James Franco), que em Planeta dos Macacos: A Origem apronta das suas e simplesmente acaba com a humanidade (em vez de curá-la). Pode uma coisa dessas, tia?

O filme dirigido por Rupert Wyatt (aqui o pessoal coloca que ele realizou o The Escapist, mesmo que ninguém saiba muito bem que longa seja este) alça ao topo da bilheteria novamente a história original do francês Pierre Boulle.

Como toda a nação corintiana sabe, o primeiro Planeta dos Macacos, de 1968, mostrava o comandante Taylor (Charlton Heston, que merecia melhor sorte do que ser achincalhado décadas depois pelo Michael Moore) descobrindo que a raça humana tinha sido dizimada. Como desgraça pouca é bobagem, numa ironia de fazer o Darwin dar risada no túmulo, no futuro de Taylor os macacos representavam o ápice da evolução, ocupando o poder e ditando as regras – destaque para os educadíssimos Cornelius e Zira, saudosas figuras.

Dirigido por Franklin J. Schaffner (um sujeito com uma trajetória das mais interessantes, com Patton e Papillon no CV), o filme arrebentou – merecidamente – nas bilheterias e deu origem a cinco continuações, série de TV, animações, quadrinhos, um remake injustamente detonado de Tim Burton e, viva o Brasil, um programa de humor transmitido entre 1976-82 na TV Globo chamado sapecamente de Planeta dos Homens (a criatura maquiada por Orival Pessini ainda me parece mais legal que a imaginada pela Weta).

O atual longa da macacada é considerado uma “prequel”, ou seja, conta toda a papagaiada que veio antes do Heston encontrar aquela Terra arrasada.

Então foi assim: um cientista (como eles podem fazer tantas cagadas?) resolve regenerar alguns neurônios para tentar curar a doença de Alzheimer (como ele se atreve a consertar um castigo divino?). O doidão cria uma substância chamada ALZ-112 (o nome é bacana, vai). Ao testar o medicamento primeiro nos símios, descobre que a nova droga deixa os animais ligadões, com o pensamento cognitivo bombando no 220.

A coisa toda foge do controle, claro, porque cientistas são seres estúpidos e pretensiosos – e sempre dominados por laboratórios cruéis e comandados por sacanas com uma mentalidade do século 19.

O tal doutor Rodman não leva seu sonho pra frente e é colocado na geladeira, mas fica com César (Andy Serkis, que prova ser melhor do que qualquer tecnologia), um macacão robusto, inteligente e leitor de Maquiavel (onde ele aprendeu aqueles truques para se manter no poder?).

Parece que tudo caminha nos trilhos, com o cientista criando amavelmente seu filhinho-primata, até que, claro, o doutor coloca o César na prisão apenas porque o bicho cometeu uma dessas imprudências características da mocidade.

Para a nossa sorte, o longa fica bem divertido quando César é encarcerado. Planeta dos Macacos: A Origem vira um delicioso filmão B de prisão, uma mistura bem palatável de Alcatraz – Fuga Impossível (lembrem-se: estamos em São Francisco) com Fuga das Galinhas.

Fato é que o filme acaba se tornando um daqueles clássicos que deveriam ser citados pelo Cheech and Chong; pelo menos a cena de James Franco mostrando para o macaco (vestido com roupinhas maneiras) onde a mãe dele (macaco) viveu e morreu é de chorar de rir (poderia muito bem estar em um dos delírios de Pineapple Express).

Com um roteiro furadinho, atuações chapadas (coitado do John Lithgow) e um orangotango bonachão que se comunica por sinais, o filme é divertido. Vale lembrar que por muito menos Clint Eastwood foi xingado e jogado na lama só porque fez um filme inteiro abraçado com um macaco esperto (o trash Doido para Brigar, Louco para Amar).

Voltando ao que interessa, mais uma vez o cientista paga o pato (ou o mico).

Como todo bom filme B, o que existe na entrelinha justifica o preço do ingresso: os cientistas continuam sendo grandes vilões (ou “mocinhos ingênuos que estragam tudo”).

A personagem de Freida Pinto, a veterinária Caroline Aranha (vale assinatura da Trip?), participa do filme apenas como representante do lobby religioso. É ela quem intima o doutor Rodman: “Tem coisas que não devem ser mudadas”. E ela está se referindo ao Mal de Alzheimer!

A ciência aparece como aquela que bagunça uma suposta organização vinda de… De onde mesmo?

Li até resenha de gente bem informada dizendo que Planeta dos Macacos: A Origem é mais profundo que Árvore da Vida e Melancolia juntos. Bem, sob um ponto de vista, até pode ser. O filme de Wyatt diz bastante sobre um tempo em que realçamos as conquistas tecnológicas dos caras da Weta Digital (que fazem a macacada dar show), mas detonamos na ficção os personagens que buscam outra realidade. Um interessante paradoxo. Quero ver o Pondé explicar este.

Agora, para aproveitar a maré, quero entrar em contato com o cientista brasileiro Miguel Nicolelis e colocar a seguinte sinopse para avaliação: “Abertura da Copa do Mundo 2014. São Paulo. Todos esperam ansiosos a cena em que um paraplégico irá vestir uma espécie de armadura, andar até o meio do campo e dar o pontapé inicial no maior torneio de futebol do planeta. Nicolelis, o inventor do traje, assiste tudo ao lado de Dilma e Lula. Se tudo correr bem, será o primeiro Nobel para o Brasil. Mas eis que algo acontece. O paraplégico anda, passa pela bola e escala as arquibancadas do Itaquerão, feito um Robocop. No caminho, atira nas pessoas e promete vingança. Aqueles anos todos de humilhação não vão ficar assim. Lula se vira para Nicolelis e fala: ‘Porra, Miguel, palmeirense é foda! Eu falei para não mexer com essas coisas!’”. Será um sucesso.

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