Um trailer bêbado

 

Johnny Deep provou em Medo e Delírio (1998), de Terry Gilliam, que pode ser um “Hunter Thompson chapado” mais alucinógeno do que o próprio Hunter Thompson conseguiria.

Agora, corre nas redes o trailer de The Rum Diary, dirigido por Bruce Robinson, e que narra as aventuras de um trintão (Deep) alter ego do escritor e jornalista norte-americano.

Mas se Gilliam respeitou em parte o espírito alucinante do livro de Thompson, o trailer do filme baseado nas páginas de Rum – Diário de um Jornalista Bêbado (leia resenha abaixo, publicada na edição 60 da revista Rolling Stone) parece saído de uma louca Sessão da Tarde.

O pique das imagens é de uma engraçada aventura por um paraíso caribenho. Muita confusão, adrenalina e uma gatinha sem roupa. Oi? É sério?

Bom, se o roteirista (o próprio Robinson) pensou que a obra original é uma ode aos prazeres da vida em Porto Rico, ele se enganou de livro.

Claro, cada um enxerga o que quer em Hunter Thompson (e em qualquer coisa, na verdade). E, de fato, há momentos engraçadíssimos e inusitados na literatura do mestre gonzo.

Porém, a segunda parte de Rum… é de um inesquecível e amargo desencanto; saímos de completo porre da descrição de um carnaval violento e revelador, em que nem o próprio tinhoso gostaria de estar.

Fato: o trailer não casa com o livro. E o filme?

De qualquer maneira, um desrespeito de tom não necessariamente faz de uma adaptação cinematográfica um treco ruim. Às vezes a turma deturpa tudo e até melhora o conceito geral.

Como dizem por aí, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

Só que é bem esquisito ver essa festa toda em cima de um material por vezes horripilante.

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A RESENHA

O jornalista e escritor Hunter S. Thompson (1937-2005) passou a vida tentando nos explicar o fracasso do tal “sonho americano”. Para nosso azar, ele desistiu da empreitada ao se matar com um tiro nos cornos.

Porém, teve a generosidade de deixar um tesouro inestimável como legado. Suas reportagens e livros formam hoje o que de melhor a literatura norte-americana de não ficção produziu na segunda metade do século passado – em especial Medo e Delírio em Las Vegas, clássico do jornalismo gonzo, em que autor e objeto se misturam de maneira psicodélica.

Este Rum…, porém, pertence à categoria de ficção. Escrito nos anos 60, mas publicado apenas em 1998, parte das reminiscências de Hunter Thompson quando ele trabalhou no Caribe. Conta – em primeira pessoa – a história de Paul Kemp, um sujeito na faixa dos 30 anos que, no final da década de 50, vai trabalhar no San Juan Daily News, em Porto Rico, um jornaleco à beira da falência que atrai “todos tipos de cancros venéreos em forma humana”.

Enquanto se encharca de rum e suor, realiza entrevistas com emissários do imperialismo ianque, tenta buscar alguma paz de espírito ao nadar pelado e mergulha fundo no carnaval da ilha de São Tomás.

A ação incessante revela um texto lotado de violência e personagens que cospem ofensas em diálogos curtos. As descrições de Porto Rico são vívidas e assustadoras, como se estivéssemos lendo as dicas de algum guia turístico do inferno. Sem nenhum idílio, Rum… é um relato acachapante e sarcástico sobre a perda de ilusões.

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