Por que alguém se lembra de uma cena?

“Outro dia, eu estava tentando entender: por que alguém se lembra de uma cena?” A dúvida é levantada por Martin Scorsese no livro Conversas com Scorsese, do jornalista e documentarista Richard Schickel.

Para ilustrar a questão, o diretor norte-americano passa a contar uma sequência de Força do Mal (Force of Evil, 1948), de Abraham Polonsky.

A ação acontece num restaurante e termina em tragédia. Diz Scorsese: “Parte de sua força, eu me dei conta, vem da música de David Raksin ao fundo. E a excepcional força do diálogo com Gomez, ao se dar conta de que foi delatado, dizendo: ‘O que você fez comigo?’. E quando o pegam, os dois caras que são bandidos de repente percebem que ele está desmoronando porque sofre do coração, e dizem: ‘Não, não, calma, calma, meu velho. Tudo bem. Só vamos levar você conosco. Não vamos te fazer nenhum mal’. Começam a ter pena dele, a música sobe. E então o rato, o cara de óculos, entra em pânico. Ele tropeça e cai. E alguém pergunta: ‘O que você quer fazer com esse aqui?’. O outro diz: ‘Dê um tiro nele, mate, mate. Ele me conhece’. E o sujeito dá um grito. É um close-up e o gângster, o bandido, dispara a arma diretamente na câmera. É uma série de cortes e movimentos de câmera. Mas uma grande parte é feita pelos atores, pelo diálogo, pelo uso da música. E Gomez tem um grande discurso ali, onde ele diz: “Sabe, às vezes você sente que está morrendo”. É feito muito lindamente, porque ele está para morrer do ataque do coração e não sabe. Era absolutamente extraordinário”.

Sequências decisivas em bares e restaurantes aparecem com freqüência nos roteiros. É um lugar público, mas que libera espaço para uma conversa privada; dá a oportunidade de colocar pequenos personagens em cena, como um garçom, mas que acabam sendo inesquecíveis; tem comida e bebida, o que aflora os ânimos e sugestiona diversas metáforas sobre a condição humana; tem outros ambientes, como o banheiro; e, claro, depois ainda pode fazer a fama de um lugar, rendendo uns trocos para o proprietário da locação.

Pensando na pergunta de Scorsese, uma bela sequência num bar/restaurante tem grandes chances de ser lembrada.

Curioso agora é rever a cena (abaixo) e depois compará-la com a visão que Scorsese tem desse trecho. Cada um fica com um filme na cabeça. Todos nós assistimos a filmes diferentes. Basta pedir para que alguém conte a cena abaixo. Será bem diferente do que diz Scorsese.

Então, complementando, por que alguém se lembra de uma cena mesmo?

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