Ao descobrir que o filho de 18 meses tem um tumor no cérebro, Valérie desmaia; quando recebem a trágica notícia, o marido e os pais dela também gritam de dor e se jogam no chão. A morte se anuncia. Porém, ao contrário do que esta cena e a sinopse do filme sugerem, o francês A Guerra Está Declarada é sobre a vida. Ou ainda: como conviver com a fatalidade.
Assim também é Cavalo de Guerra. Ao mostrar a trajetória de um eqüino durante a Primeira Guerra Mundial, o diretor Steven Spielberg celebra essa estranha capacidade humana (e, por conseqüência, animal) de superar a diversidade.
Além de atuar, a bela Valérie Donzelli também dirigiu e escreveu – baseada numa experiência pessoal – A Guerra Está Declarada. Ao narrar a intimidade de uma família diante do câncer cerebral de um garotinho, ela preferiu fazer uma vibrante mistura de registros. Seu cinema evoca obviamente a nouvelle vague, com sua câmera a todo instante provando que o que acontece na tela é maior do que a vida.
Sua falta de previsibilidade e convenção nos arremessa numa história única e, por isto mesmo, realista. Os personagens cantam, se amam e dançam como se estivessem num clipe da MTV. Cada sequência surpreende. Há uma infinidade de recursos narrativos sendo usados todo o tempo, dando uma sensação de urgência. Por fim, nada parece derrotar a bondade. Diante de uma fatalidade, podemos reclamar, espernear, mas nunca deixar de lutar.
Spielberg não nos remete para essa pressa narrativa, para um fluxo descontínuo e surpreendente. Cavalo de Guerra é para ser contemplado. O estilo que o norte-americano emana nasceu antes da nouvelle vague, com John Ford e Victor Fleming. Com movimentos de câmera deliciosamente lentos, planos abertos, personagens caricatos e música constante, é pura convenção.
Essas características fizeram alguns “críticos” brasileiros torcerem os óculos. Alguns disseram que voltar dessa maneira ao passado, contar de forma tão pura uma história, seria uma coisa brega, condenável até mesmo moralmente.
Mas, como falar em convenção num cinema contemporâneo em que de maneira geral não há espaço para obras mais lentas e clássicas? Será que ao retomar John Ford (1894-1973), Spielberg não estaria de fato quebrando as regras do atual cinema? Então, ele seria o verdadeiro revolucionário.
Deixando de lado as qualidades artísticas de Cavalo de Guerra, volto para a sua ligação com a Guerra Está Declarada.
Se no francês a criança com a doença leva as pessoas a perceberem as pequenas maravilhas do cotidiano, no norte-americano é o animal que move todas as boas ações.
Nos dois filmes sobram compaixão, amor e alegria, mesmo diante do mais terrível inferno.
Duas cenas – uma de cada filme – demonstram como a arte pode também olhar para os bons sentimentos que eventualmente brotam de uma guerra:
– Valérie e seu marido resolvem se divertir um pouco e vão para uma festa. Bebem, cantam e beijam. Estão vivos. E essa trajetória é o que importa – e não o fim dela.
– Um soldado britânico e um alemão se encontram nas trincheiras. Cada um do seu lado da guerra. No meio do massacre, o cavalo agoniza sufocado por metros de arame farpado. Os inimigos hasteiam por minutos uma bandeira branca e partem para, juntos, livrar o bicho daquele sofrimento. Eles se provocam, brincam e resgatam durante alguns instantes um ponto em comum: o amor pela sobrevivência.
Após ambos os filmes, a imagem que fica é a da fraternidade. Um sentimento que, para muitos, é apenas sinal de breguice.

Deixe um comentário