Desamparado, sigo procurando créditos, links e informações. Depois de dois minutos, desisto de descobrir quem são aquelas pessoas que cantam bonito na tela. Mas continuo esperando uma declaração, o depoimento de alguém que me explique o que está acontecendo. Quando o filme já avança pelo seu décimo minuto, finalmente entendo: é só a música que importa, estúpido.
A Música Segundo Tom Jobim, de Nelson Pereira dos Santos e Dora Jobim, leva o bom nível dos documentários musicais brasileiros para um novo e provocativo patamar. O filme é uma intensa e empolgante colagem de clipes em que diversas personalidades da música interpretam canções de Tom Jobim. São extratos de programas de TV antigos, trechos de shows, imagens de um Rio de Janeiro perdido no tempo e fotos PB.
Só isso. E basta para nos aprofundarmos em inúmeras conexões e pensamentos, como se ficássemos envolvidos por um mantra. Ao sermos embalados pelo som de Tom Jobim, escutamos indagações que pareciam perdidas, escondidas no meio da correria. Então é possível compreender um pouco o que significa a beleza; imaginar no que aqueles acordes tocam e do que eles são capazes; sorrir ao ver Sammy Davis Jr., Ella Fitzgerald, Frank Sinatra, Vinícius, Gal Costa e tantos outros se dedicando a interpretar essa MPB universal.
Nelson e Dora nos entregam o material e uma certa ordem (o crítico José Geraldo Couto traçou alguns esquemas interessantes no Blog do IMS). Mas quem tira as conclusões, quem amarra tudo com algum significado somos nós.
O filme me remete a um outro item provocador e também reflexivo: o livro A Geração Superficial, de Nicholas Carr (Agir, tradução de Mônica Gagliotti Fortunato Friaça). O escritor busca provar a tese de que nossos cérebros estão se modificando por causa da internet. Ele conta um pouco a história de nossos avanços tecnológicos (desde a invenção do mapa e da medição do tempo), elucida o pensamento de certos filósofos (Marshall McLuhan, principalmente) e narra diversas pesquisas da neurociência.
Para Carr, nosso uso intensivo da internet, com seus links, hiperatividade, associações e rapidez, está eliminando nossa capacidade de imersão e aprofundamento de temas. Estamos perdendo a paciência – e a capacidade – de ler um livro atentamente, por exemplo. No universo em que “o meio é a mensagem”, vivemos pulando parágrafos, buscando novas notícias, checando e-mails, olhando a tela do celular e jogando nossos neurônios malabaristas de lá para cá.
De certa maneira, segundo Carr, andamos para trás, de encontro ao tenso e distraído homem das cavernas.
São trezentas páginas de uma leitura que talvez não seja possível num futuro próximo. A tese é interessante e bem construída (inclusive com excelentes refutações). Vale a pena se debruçar sobre o livro (em papel).
Mas a ligação com Tom Jobim aparece porque o documentário também nos obriga a uma contemplação diferente da que estamos acostumados. É como se tivéssemos que ligar outras redes cerebrais – como ler Guerra e Paz numa ilha deserta.
Estamos sozinhos diante da música; nenhuma cronologia óbvia; ninguém nos explicando quando aquilo aconteceu; nenhuma data ou localização (apenas nos créditos finais, genial maneira de deixar o espectador até o fim da sessão).
Surfando no pensamento de Carr, diante de A Música Segundo Tom Jobim ficamos sem links, Wikipédia ou distrações. Só nos resta o mergulho profundo em outro universo. É justamente esta capacidade que o autor norte-americano acredita que estamos perdendo enquanto nos viciamos na internet.
Como disse aquele lá, parece que de fato já fomos mais inteligente.

Deixe um comentário