A 84ª cerimônia de entrega do Oscar terminou com agradecimentos para “Billy Wilder, Billy Wilder, Billy Wilder”. O autor da homenagem foi Michel Hazanavicius, o francês esperto que dirigiu O Artista e fez a rapa nos principais prêmios.
No ano da nostalgia, da lembrança do velho cinema feito em celulóide, Billy Wilder (1906-2002) aparece como o mentor desse novo tempo (o digital) cinematográfico.
Muito auspicioso, por sinal, esse recomeço dos filmes. Ao bradar o nome do diretor de Quanto Mais Quente Melhor (1959), Hazanavicius deixou claro que o cinema se reinventa tecnicamente, mas continua sendo o principal porta-voz de histórias (principalmente as nossas, aquelas mais íntimas) dos últimos cento e poucos anos.
E, assim como os romances literários, os filmes prometem permanecer como nossos espelhos favoritos – e em qualquer plataforma, com óculos ou sem, em celulose ou nesses inodoros aparelhinhos luminosos.
Crepúsculo dos Deuses (título em português dramaticamente coerente para Sunset Boulevard), de 1950, foi o grande filme de Billy Wilder que serviu de mote para a cerimônia do adeus que foi a entrega do Oscar deste ano.
O Artista revisita a história de Norma Desmond (Gloria Swanson), atriz que em Crepúsculo se agarra a um roteirista na esperança de voltar aos seus dias de glória (o trocadilho saiu sem querer). Desterrada num casarão com jeitão de tumba, ela acredita que o cinema (falado!) ainda teria espaço para seus arroubos artísticos mudos e passadistas.
Enfim, uma personagem lutando contra as inevitáveis – e caprichosas – mudanças comportamentais e tecnológicas de uma arte em formação (exatamente o que acontece no filme de Hazanavicius).
O que vimos no último Oscar não foi apenas um longo e morno crepúsculo de deuses, mas também um alvorecer de novas entidades.
O cinema está vivo e pronto para mais um close – agora em digital e 3D.
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Abaixo, trecho de As Entrevistas de Paris Review – Vol. 1 (Companhia das Letras, tradução de Christian Schwartz e Sérgio Alcides) em que Billy Wilder conta um pouco como criou a obra-prima Crepúsculo dos Deuses.
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“Durante muito tempo quis fazer uma comédia sobre Hollywood. Deus que me perdoe, mas queria Mae West e Marlon Brando. E veja o que virou essa ideia! Em vez de comédia, uma tragédia sobre uma atriz do cinema mudo, ainda rica, mas no ostracismo desde que os filmes se tornaram falados.
‘Sou grande. Os filmes é que ficaram pequenos.’ Já tinha essa fala desde o começo. Em algum outro lugar tinha a ideia de um autor passando por uma fase de pouca sorte. As coisas não se encaixavam até encontrarmos Gloria Swanson.
Tentamos Pola Negri primeiro. Telefonamos para ela, mas o sotaque polonês era muito forte. Entende-se por que algumas dessas pessoas nunca se adaptaram ao cinema falado. Fomos até Pickfair fazer uma visita a Mary Pickford. Brackett [roteirista parceiro de Wilder], o mais sério de nós dois, começou a contar a história para ela. Ela se sentiria insultada se contássemos que iria interpretar uma mulher que inicia um romance com um homem com metade de sua idade. Disse a Mary: ‘Desculpe-nos, foi um erro. Essa história acaba de maneira muito vulgar’.
Gloria Swanson fora uma grande estrela, no comando de um estúdio inteiro. Trabalhara com DeMille. Uma vez vestida, o cabelo perfeito, colocavam-na numa liteira e dois homens fortes a carregavam para o set de filmagem para que nenhum cacho saísse do lugar. Mas, mais tarde, ela fez uns dois filmes falados horríveis. Quando passei a ela o roteiro, ela disse: ‘Preciso fazer esse filme’, e se revelou um verdadeiro anjo.
Enfiei estrelas onde podia em Crepúsculo dos Deuses. Usei Cecil B. DeMille para interpretar o chefão do estúdio. Erich Von Stroheim como o diretor dos primeiros filmes da personagem de Gloria Swanson, que ele de fato havia dirigido.
Aí pensei: e se filmássemos um jogo de cartas, de bridge, na casa dessa estrela do cinema mudo, e se tivéssemos de mostrar nosso herói, o escritor, tão humilhado a ponto de ser o mordomo da cena, limpando os cinzeiros, que atores fariam seus papéis? Chamei Harry B. Warner, que atuou como Jesus nos filmes bíblicos de DeMille, Ann Q. Nilsson e Buster Keaton, que era um ótimo jogador de bridge, participava de torneios.
A indústria cinematográfica existia havia apenas uns cinqüenta ou sessenta anos, de modo que muitos dos pioneiros ainda estavam vivos. E, como a velha Hollywood estava acabada, esse pessoal não andava exatamente ocupado. Tinham tempo, ganharam algum dinheiro e um pouco de badalação. Ficaram encantados com a experiência.”

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