A missa dos ferraristas

Abel Ferrara está obcecado com o sucesso de Jogos Vorazes. Para ele, o fenômeno dirigido por Gary Ross é o símbolo da Hollywood destrutiva, perdulária, picareta, que falseia o cinema.

O diretor norte-americano fez uma bela missa no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, na tarde do dia 25 de abril. Afiado, ele empolgou os ferraristas como se o próprio papa estivesse rezando na Praça de São Pedro.

Ele veio não apenas para dizer que Jogos Vorazes é o demo, mas também para divulgar a mostra de seus filmes que fica em cartaz no CCBB até 6 de maio.

Para quem está acostumado a ouvir histórias escabrosas – consumo de todo tipo de droga, porres e violência verbal – sobre Ferrara, o encontro com o diretor foi angelical e surpreendente.

Nada de crack, heroína ou estimulantes; Abel (que beleza de nome propício) falou muito sobre Jesus, igreja e as loucuras do mundo cristão.

Marcado para às 13h (o convidado tinha que se mandar para Nova Iorque na mesma noite), o evento foi suave e, durante sua uma hora e meia de duração, teve o tom respeitoso dedicado aos espíritos mais elevados – seja qual for o mecanismo para atingir essa elevação.

Vestindo um casaco bege, calça preta e com aquele jeitão de boxeador cansado de levar bordoadas, Ferrara ficou numa mesa com sua mulher e atriz de seus últimos filmes, Shanyn Leigh (que contou sobre seu iogue brasileiro), uma tradutora e o crítico Ruy Gardnier.

Solícito e piadista, sua cabeleira branca, rosto forte e voz rouca, meio gripada, o transformam numa espécie de Marlon Brando em O Poderoso Chefão. Há sempre um certo enfado, uma preguiça, mas ao mesmo tempo a energia está toda lá, prestes a explodir.

O nome da mostra – A Religião da Intensidade – já entrega o lado místico e profano do cineasta – e de seus admiradores, claro.

São mais de 20 longas, incluindo aí material em DVD, película e Beta. Aqui copio trechinho de um dos releases da mostra: “Seus filmes giram em torno de policiais corruptos, assassinos, viciados, criminosos de todo o tipo, personagens de uma violência sem explicação política ou social. Criaturas à procura de redenção e vingança, ao mesmo tempo”. Cool demais.

Abaixo, alguns dos bons momentos da pregação.

CINEMA
“Cinema é o que me faz pagar o aluguel. É a minha vida.”
“Você precisa de duas coisas para fazer cinema: uma idéia e dinheiro.”
“Há duas maneiras de você viver de cinema: fazer filmes para fazer dinheiro; ou fazer filmes com pessoas que acham que você vai fazer dinheiro.”
“Único conselho para quem quer fazer cinema: faça somente o filme que você precisa e quer fazer. E tenha a palavra final, o corte final, ou vão destruir seu filme.”

INTERNET
“Colocar os filmes na rede para todo mundo ver é bom; Agora, como ganhar dinheiro com isso é que não é bom.”

MADONNA
Perguntado sobre como fez a Madonna atuar em Olhos de Serpente (1993), ele provocou gargalhadas respondendo: “Eu escondi a câmera”. E completou: “A Madonna faz parte daquele grupo de pessoas que nunca deveria atuar”.

IGREJA
“Quanto mais perto do Vaticano, mais ateus você conhece.”
“Quanto mais tentam te enfiar religião, mais você combate isso.”
“O único cara que tem mais jóias que o papa é o Kanye West.”

ARTE
“Filmar arte é basicamente filmar Jesus.”

BRASÍLIA
“Os prédios são lindos, mas não sei onde as pessoas estão.”

SALÓ, DE PASOLINI
“De longe, de muito longe, um dos melhores filmes da história.”

LEGADO
“Sei lá, não morri ainda.”

 

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