“You’re a classic racist, a bigot, a sexist. A womanizer, a chauvinist, a misanthrope, homophobic clearly, or maybe you don’t like yourself”, fala Helen (Brie Larson) para o pai dela, David Brown (Woody Harrelson), depois de pouco mais de uma hora do filme Rampart (lançado em DVD lá fora).
A gente não precisa entender inglês para saber que os adjetivos não são elogiosos. Na verdade, vindos da filha mais velha, as palavras deixam de ser figura de linguagem e se materializam em balas que atingem com tudo o policial Brown. Ele sabe que aquele é o seu momento na cadeira elétrica, no pelotão de fuzilamento.
Enquanto escuta a garota desfilar seu aparente desprezo pela figura paterna, ele observa que não tem mais gás em seu isqueiro. Ao insistir em fazer uma última chama, fica num irritante “clic, clic, clic, clic” com o objeto. Brown não consegue nem mesmo acender um cigarro – aliás, mais uma de suas habilidades perdidas. Ele agora é um dinossauro velho, cansado, abandonado pelo grupo, que só precisa de um lugar limpo e seguro para desaparecer em paz.
Brown está em extinção.
Dirigido por Oren Moverman (O Mensageiro), Rampart é um filmaço. Há pelo menos uma dúzia daquelas sequências que qualquer roteirista de bom senso daria um braço para escrevê-las; ou mesmo daria os dois só para ter um tanto do talento do escritor James Ellroy, que mandou ver no roteiro juntamente com Moverman.
Situada em 1999, a ação mostra o crepúsculo de Brown, um dos muitos tiras truculentos de Los Angeles, uma cidade retratada de forma inóspita, quente, brutal, mas que se reinventa e não precisa mais de gente como ele.
Além de todas aquelas características mencionadas pela filha, Brown também é bem cara-de-pau, tentando viver tranquilamente com as mães (que são irmãs) de suas duas crias.
A derrocada começa quando ele é filmado esmurrando um sujeito que bateu em seu carro. As cenas invadem o noticiário e Brown vira o símbolo de uma polícia intransigente, preconceituosa e violenta. Também trazem novamente para o público o passado malcheiroso do policial, acusado de algumas ações duvidosas – inclusive homicídios.
Woody Harrelson, como frisou o jornalista André Barcinski (aqui), tem sua melhor atuação – e certamente uma das mais complicadas.
Seu oficial Brown é de fato um crápula, um matador sanguinário, um doido fardado. Porém, também tem família, se preocupa com as perguntas cabeludas da filha menor e, caramba, sofre com a miséria do mundo.
Sendo muitas vezes opressivo e virulento, mas às vezes exalando carência e fragilidade, o gambé nos comove.
Ficamos com aquela sensação amarga, longe de qualquer catarse que um capitão Nascimento proporciona.
O filme fracassou. Pena. É algumas milhas melhor que Drive e Shame, por exemplo, só para citar dois longas recentes que também trazem personagens masculinos errantes vivendo um apocalipse particular.
Ninguém gostaria de hoje conviver com dinossauros soltos por aí. Aqueles brutamontes certamente teriam tirado nossa possibilidade de existir. Mas nem por isso nos divertimos com o espetáculo do extermínio dessas criaturas.
Eles eram fortes, monstruosos, mas chegaram ao fim. Pior: aparentemente não tiveram culpa de nada, pouco puderam fazer para continuarem por aqui.
Brown, mesmo sendo bem mais esperto e sacana do que os dinossauros, também é tragado pelas circunstâncias, por uma chuva de meteoros vinda das forças públicas, dos ex-amigos, da família. Em poucos dias ele percebe que seu poder não seria capaz de garantir mais nada; ele está fora.
Isso faz de Rampart um triste e belo show. Descobrimos que tudo pode desabar num instante, que nem o mais forte resiste aos movimentos do destino.
No fundo, parece dizer o olhar final de Brown, sabemos que não importa nossos caminhos ou métodos, sempre vamos perder tudo um dia. É só uma questão de tempo.

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