Elvis Presley, Houellebecq e o indivíduo no telão

Acho de uma esquisitice ímpar esse negócio de ver show do Elvis Presley pelo telão, mas vibrando e cantando como se o astro do rock ainda estivesse requebrando por aqui. Esse tipo de espetáculo vem para o Brasil no segundo semestre e parece que tem cerca de 90% dos ingressos ( de R$ 90 a R$ 600 em SP) já vendidos.

Li uma reportagem na Folha que contava um pouco mais sobre a experiência. O público paga caro para estacionar o carro, se acomoda, saca seus celulares e toma seu chope, tudo como manda o figurino. No palco, uma banda de verdade, a que acompanhou Elvis em sua fase final nos anos 1970, em Las Vegas. E então temos duas horas de… telão. O cantor aparece em imagens e manda ver. De onde, ninguém sabe.

Os produtores do espetáculo usam trechos retirados de antigos shows e apresentações em canais de TV. Quem viu disse que a coisa toda é fantástica. Esse tipo de “experiência”, vá lá, existe desde 1997.

Recentemente também tivemos aquele caso da aparição do Tupac (morto em 1996) no show do Snoop Dogg, no Coachella.

O que mais me espanta são os comentários do público, como se realmente estivessem passando por uma sessão espírita, um treco meio religioso, sei lá.

A graça de um show não é justamente conferir se aquele artista é real? Se não é apenas uma imagem que inventaram por aí? Se não foi criado em computador? Show gerado pelo computador já temos o do Gorillaz e está ótimo.

Precisa chamar o filósofo José Arthur Giannotti para explicar (ou confundir mais) o caso. Aliás, na sua coletânea de textos Notícias no Espelho, o primeiro artigo é justamente sobre a imagem.

Esse papo de usar morto em show reforça pra mim a obsolescência do indivíduo em algumas artes. Acho bem estranho. Para que teatro, por exemplo, se a gente pode assistir tudo com óculos 3D? Então, será que estamos prontos para prescindir de qualquer presença física na arte? Será que isso nos leva, aos poucos, para um total desconforto em relação às surpresas e novidades de um contato ao vivo?

Não sei bem o que tudo isso quer dizer, mas que tem coisa aí, isso tem.

O show virtual do Elvis aponta alguns caminhos. O que me leva para a primeira parte do último livro do francês Michel Houellebecq, O Mapa e o Território. Temos ali um artista plástico e fotógrafo (Jed Martin) que contrata justamente o escritor Michel Houellebecq (numa boa jogada estilística) para fazer o texto do catálogo de uma de suas exposições.

Em um dos encontros para acertarem os detalhes, o autor de Partículas Elementares pega o manual de uma câmera fotográfica que Jed acabou de comprar e comenta: “É um belo produto, um produto moderno; pode gostar dele. Mas deve saber que dentro de um, dois anos no máximo, ele será substituído por um novo produto, com características supostamente aprimoradas. Nós também somos produtos… Produtos culturais. Também alcançaremos a obsolescência. O funcionamento do dispositivo é idêntico, com a ressalva de que, em geral, não há melhoria técnica ou funcional evidente; subsiste apenas a exigência da novidade em estado puro. Mas são bagatelas, bagatelas”.

Elvis no telão é um belo produto cultural que não necessita da existência do Elvis original. Temos aí um substituto perfeito e o que mais me impressiona: a reação da platéia parece ser indiferente. Diante do Elvis fake, ela reage como se não existisse a morte, um defunto. E daí que não temos Elvis? Temos tecnologia, oras.

Bom momento também para rever o excepcional My Dinner With Andre (1981), de Louis Malle. Em determinado momento há uma bela conversa sobre a terrível fantasia que os homens estavam criando para suportar a vida. Trinta anos depois, cada frase dita naquele jantar adquire uma espantosa realidade – tanto que o filme foi usado genialmente por Dan Harmon em um episódio da série Community.

Tudo bem, essa apresentação do Elvis Telão pode ser apenas uma coisa divertida e pronto. Mas as tais coisas divertidas parecem que estão se acumulando, se empilhando, e nada muito sério acontece mais – ou atrai o público. Tempos estranhos para se viver, de fato.

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