Em recente entrevista publicada pela New York Magazine, o roteirista Aaron Sorkin define assim sua nova série, The Newsroom: “O verdadeiro tema da série é Don Quixote, que aparece em todos os episódios. E não apenas Don Quixote – e estou muito orgulhoso disso: não há um único episódio em que não exista uma referência a um musical – Man of La Mancha e Camelot e Brigadoon. A idéia é que eles estão numa busca nobre, mas fútil – e eles acreditam que isso é honroso, então vão fazer isso”.
“Eles” são os jornalistas.
The Newsroom, que mostra o funcionamento de um telejornal, está em seu quarto episódio nos EUA e ganha todos os dias um novo artigo – defendendo ou atacando o romantismo de sua trupe – na mesma mídia que disseca. A coisa está tão quente que já atinge os coleguinhas brasileiros mesmo sem a HBO exibir o show por aqui (leia alguns pitacos aqui e uma defesa apaixonada aqui).
Eu não consigo assistir a um segundo da pregação de Sorkin com isenção. A quixotesca turma liderada pelo âncora Will McAvoy (Jeff Daniels) me emociona justamente por ser formada por atormentados seres românticos (e, claro, por estarem sempre bem vestidos, para alegria do Gay Talese, e tomarem bons drinques após um estafante dia de trabalho).
Sorkin não está para brincadeira. Nos primeiros capítulos ele já mostrou como a imprensa cobre eleição, atentado e desastres ecológicos – além de descer o cacete na indústria de fofocas. Mais ainda: o roteirista deixou bem claro como a imprensa deveria cobrir cada uma dessas histórias.
Com seu tradicional vigor e enxurrada de frases maravilhosamente construídas (ninguém fala, todo mundo discursa), Sorkin dividiu os críticos. De um lado, a turma do “deixa disso”, achando que o roteirista está numa cruzada furada e antiga, exagerando nas tintas e melando a TV norte-americana com seu “mimimi”. De outro, os que acreditam que a arte só existe para ser um espaço da imaginação e do sonho, então nada mais natural do que lembrar de algo que a imprensa poderia ter sido (a série se passa em 2010). Para estes, a graça está justamente nesses heróis íntegros e atrapalhados.
Em cada episódio, loucura, fantasia e constrangimento se juntam, provando que Sorkin fala sério quando menciona Don Quixote como a principal inspiração para The Newsroom.
Pensando exclusivamente na dura crítica ao jornalismo que ele menciona a todo instante, não dá para dizer que Sorkin está louco.
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Ainda sobre a imprensa, vale ler o posfácio à nova edição de Notícias do Planalto, de Mario Sergio Conti, que será publicado no final do mês. Abaixo, um trecho que mostra o que acontece quando não existem Don Quixotes no jornalismo. O autor narra o destino de alguns dos repórteres que colaboraram para o fim do governo de Fernando Collor.
“Luís Costa Pinto, que fizera a entrevista na qual Pedro Collor acusava Paulo César Farias de ser testa de ferro de seu irmão, tornou-se consultor. Prestou serviços ao deputado João Paulo Cunha, réu no mensalão, e a Agnelo Queiroz, governador de Brasília cuja administração foi acusada de relacionamento espúrio com contraventor Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Cachoeira.
Mino Pedrosa descobrira o motorista Eriberto França, que comprovou o elo econômico entre Paulo César Farias e o presidente. E posteriormente ele trabalhou na primeira campanha de Fernando Henrque Cardoso, e foi assessor de Roseana Sarney e Joaquim Roriz, o ex-ministro de Collor que renunciou ao Senado ao ser apontado como corrupto. A sua agência de comunicação prestou serviços a Carlos Cachoeira.
Mário Rosa, que revelara as desgraças da Legião Brasileira de Assistência presidida por Rosane Collor, virou gerente de crises. Ele participou de campanhas eleitorais e foi consultor de Ricardo Teixeira, quando este era presidente da Confederação Brasileira de Futebol, e de Daniel Dantas, dono do banco Opportunity. Assim como Costa Pinto, Rosa foi contratado por Fernando Cavendish, ex-proprietário da empreiteira Delta, implicada nas traficâncias de Cachoeira.
Expedito Filho relatara o exibicionismo da corte collorida e registrara as acusações de Renan Calheiros ao presidente, e passou a atuar em relações públicas.”
A lista segue. Paro por aqui porque acho que vocês já entenderam.

Amei esse post, parabéns!! Quero conferir, com certeza, a estréia de The Newsroom, que promete mostrar uma comédia inteligente e crítica política tendenciosa.Tem todos os ingredientes para ser mais uma excelente série do talentoso roteirista Aaron Sorkin. Não vou perder de jeito nenhum.