Entre as qualidades da novela Avenida Brasil, a cenográfica mansão no Divino ganha destaque. Claro que os embates entre Carminha e Rita seriam bacanas até se rolassem embaixo da ponte. Mas certamente não teriam esse clima de trem fantasma se não acontecessem naquela residência escura, brega, com pinta de casa de terror de parque da Disney.
O suspense dos atuais episódios é tão violento – e ao mesmo tempo divertido e patético –, que daqui a pouco o Hitchcock vai aparecer numa ponta, emoldurado num daqueles estupendos porta-retratos que a família do Tufão deixa espalhados pelos cômodos.
Aliás, o lugar já pode entrar para a lista dos cenários mais assustadores da nossa dramaturgia. Se estivesse no topo de um morro, fatalmente competiria em classe e pavor com a mansão de Norman Bates, em Psicose – ei, a Rita não lembra o Anthony Perkins?
O João Emanuel Carneiro e sua turma realizaram um trabalho tão interessante de estrutura narrativa, que periga fazer com que os telespectadores queiram assistir daqui pra frente apenas as cenas passadas naquela Xanadu carioca.
Desde os tempos do Cidadão Kane, o povão não via tanta sacanagem rolando numa mansão – e aquela coisa terrível mesmo, não a sacanagem gostosa de um casarão do Hugh Hefner, por exemplo.
Bem que a última cena da novela poderia lembrar a primeira de Cidadão Kane. Imaginem só: a câmera percorreria toda a mansão até chegar em Carminha, que dá seu último suspiro ao falar: “Lixão”. The end. Coisa linda. Um jeito antropofágico da gente homenagear Orson Welles e seu rosebud.
Claro, a direção de arte de Avenida Brasil deveria ser indicada a algum prêmio desses bons, de respeito. A construção dos espaços – internos e externos, porque aquela piscina na entrada também é de matar – contribuiu para hipnotizar metade da população brasileira.
Uma boa história também se faz com excelentes espaços. Pode colocar diálogos espertos, atores carismáticos, enredo intrigante… Se tudo isso não acontecer num lugar crível, interessante, curioso, corre-se o risco de ver sua novela (literária, visual, teatral) simplesmente não chegar lá.
A mansão do Divino tem tantas possibilidades interessantes (aquela mesa de carteado ao lado do bar é espetacular) para a narrativa, que fica complicado daqui pra frente pensar em cenografia para as próximas novelas da Globo – aliás, deve ter autor do primeiro escalão batendo a cabeça no teto numa hora dessas.
É uma daquelas coisas fascinantes da escrita. Quando tudo dá certo, até um abacaxi falso vira personagem. Aquele lugar entrou para a história.
Sugestão: a Globo poderia fazer como os gringos e transformar a Mansão do Divino em brinquedo; aproveitar a onda e organizar tours pelo local depois que a novela acabar; ou encomendar um musical que se passe na mansão. Vai ser chato descobrir que um dia aquele templo será derrubado.

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