Com a estreia de Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge, a turma coloca no mercado novamente a discussão: “E aí, bicho, o Nolan [diretor dos três últimos filmes da saga] é fiel ou não aos quadrinhos?”. Pfui.
Desde quando ser fiel é um valor com peso dez no cinema? Aliás, desde quando fidelidade tem a ver com arte?
Vamos pensar num casamento: o cara é um brutamontes, bate na mulher, joga pesado com a filharada, mas é fiel, então é um bom marido. Vale essa lógica, Arnaldo? Acho que não.
O novo Batman pode respeitar todas as regras da HQ, mas ser horrível como cinema – ou ser descaradamente calhorda com o material original e se tornar um grande filme.
Filme tem que ter fidelidade ao que promete, ao seu jeito de contar a história, aos seus personagens. E pronto. Esse papo de seguir o roteiro dos gibis só para agradar aos fãs me parece uma chatice.
Ok, os problemas do filme do Nolan não existem porque o diretor quis puxar o saco dos batmaníacos. O último longa do Homem-Morcego é meio esquisito por causa de um roteiro com muitos personagens ativos, que modificam nosso posicionamento em relação ao filme a cada cinco minutos. Pior: sobre o que é mesmo o novo Batman? Falar sobre muita coisa às vezes só mascara o fato de você não saber o que dizer.
A parte boa: os críticos se divertem. Taí um longa ótimo para o Arnaldo Jabor escrever qualquer disparate – e até acertar. Uns dizem que o filme é sobre pulsão de morte; outros falam que é sobre a crise econômica (e moral?) atual; outros que não é nada disso, é apenas uma desculpa para ganhar bilhões de dólares e mostrar o nascimento do Robin.
Talvez esses tiros tenham alguma genialidade, vai saber. De qualquer maneira, Nolan acaba com a Bolsa de Valores, com o futebol americano e com o próprio Estados Unidos, ao sequestrar Nova Iorque. Não sei direito o que ele quis dizer, mas deve ter coisa aí.
Antes de falar bobagem, melhor pensar direito. Afinal, pode ser simplesmente que eu não esteja à altura do filme (coisa bem frequente, por sinal).
Ou então, a história que eu queria ver, não se realizou (gostaria que a obra mostrasse somente o que rolou durante as primeiras semanas do sequestro de NYC, nos esgostos, a luta de classes, o nascimento da revolução etc.).
Por isso não quero falar de Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge. O filme foi parar no lide sem querer. Uso o tema da fidelidade para comentar sobre outra HQ: Pagando por Sexo, de Chester Brown (Martins Fontes, tradução de Marcelo Brandão Cipolla).
Autobiográfico, o quadrinho mostra como o autor abandonou a monogamia (ele não acredita na fidelidade) e o amor romântico para se dedicar ao mundo das prostitutas.
Desiludido depois de terminar sua última relação, ele decide fazer apenas sexo pago. Para ele, o amor romântico, com suas brigas e ciúmes, traz à tona o pior de cada pessoa: mesquinharia, sentimento de posse etc.
Surpreendente e instigante, o desenho de Chester não apenas defende uma tese, como também promove a saudável discussão sobre a descriminalização (mas não a regulamentação) da prostituição – há interessantíssimos apêndices e muitas notas esclarecedoras.
Contundente na defesa de suas opiniões, o autor nunca deixa de ouvir o outro lado, salpicando o livro com um arrojado aspecto jornalístico. Concorde ou não, há um foco e bastante material para discussão.
Voltando ao filme do Nolan, em Pagando por Sexo também temos reviravolta no final e muita ação (e sexo, que aliás falta em Batman, não?). Mas para Chester, fidelidade só traz raiva e desgraça.

André, tudo bem? Em nome da Editora WMF Martins Fontes, gostaria de agradecer pela belíssima resenha acima. Ficou excelente! Um abraço e obrigado,
Felipe
Valeu, Felipe. Abraço.