Keira, uma cabana e o fim do mundo

A beleza tortinha de Keira Knightley é uma boa representação para Procura-se um Amigo para o Fim do Mundo – eis um título também estranhamente cativante. O filme de Lorene Scafaria não tem atrativos que podem ser explorados pela imprensa, como cifras milionárias, astros jovens do momento, mortes violentas ou algum escândalo de bastidores; porém, esconde uma pequena preciosidade filosófica numa época em que o final de tudo é saudado como a solução dos nossos problemas.

É parecido com a Keira, essa garota sem peitões, com os dentinhos encavalados, magrinha que dá dó, sapecamente desengonçada, mas com um olhar capaz de fazer sorrir até o Buster Keaton. Ela é daquelas que chicoteamos com a frase: “Não sei o que é, mas essa daí tem alguma coisa”. Vamos chamar de carisma e pronto. Extrapolando um pouco, eu diria que o filme também tem esse carisma, esse charme.

Ajudando no tom “doce melancolia”, o par da Keira é o Steve Carrell, um grande ator, que pra mim está associado a uma eterna tristeza. Ele prova a tese que comédia e drama são, na essência, a mesma coisa. Estamos sempre comentando a amargura que é viver. Anotem aí: o sujeito ainda será um dos maiorais, a Meryl Streep dos próximos 20 anos.

O longa mostra como os dois se conhecem e passam a se amar. Pena que o romance acontece em cima da hora: um asteróide irá se chocar contra a Terra em poucas semanas, dizimando toda forma de vida – aquela física, pelo menos.

Keira e Steve então partem para uma viagem, um On The Road apocalíptico, quando pretendem se conhecer melhor e se despedir das pessoas que gostam. O roteiro é bem esquisito, claro. Muitas vezes, num sentido ruim – ritmo e certas passagens chochas. Mas o que importa está lá: o final da nossa época por aqui é visto como uma libertação, como um momento em que finalmente podemos exercitar toda a nossa vida.

Convenhamos, não é pouca coisa. Os personagens estão atolados numa existência vazia, desprovida de desejos e vontades próprias. Dizimados pelos brutais horários de trabalho, pelas demandas do dia-a-dia, pela tecnologia, eles patinam numa rotina estúpida – são zumbis deprimidos.

Porém, com a chegada do asteróide, o tempo, ao contrário do que poderíamos pensar, pára – e não acelera. Ele estanca, pois duas semanas viram uma eternidade quando você tem sonhos e fantasias; porque dois dias buscando sua namorada da juventude – e não atendendo telefonemas idiotas numa companhia de seguros – são cheios de aventura e possibilidades.

Assim, diante dessa liberdade – finalmente seguir seus instintos –, uns fazem orgias, outros experimentam heroína e alguns querem apenas continuar fazendo o que gostam, seja limpar casas, ser policial ou reportar a notícia.

A proposta é fascinante. O que fazer se realmente estivermos com os dias contados? Um bom teste para descobrir quem está vivendo e quem simplesmente mata o tempo. O problema é que essa bomba muitas vezes aparece sem nos dar tempo para raciocinar.

Fim do mundo também é observar que um filme criativo como The Cabin in the Woods, de Drew Goddard, ainda não apareceu no circuito brasileiro.

Escrito por Goddard e Joss Whedon (Os Vingadores) é outra interessante brincadeira com o final dos tempos. O registro é da fantasia, terror e fábula, mas com uma rara capacidade de contar uma história provocativa.

São dois exemplos de longas que apostam no fim do mundo como possibilidade de nos libertarmos de certa alienação do dia-a-dia.

E o que é o cinema? Muitas vezes funciona como essa Nêmesis, como um asteróide, capaz de aparecer no horizonte e nos fazer pensar um bocado.

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