Quando eu trabalhava na Folha ABCD (só agora vejo que o jornal tinha nome de cartilha de alfabetização), tive que entrevistar o Lula – quando ainda não era presidente, mas sim um ING (Indíviduo Não Governamental).
A conversa foi divertida e, claro, diante da minha ignorância política – e de outros assuntos também –, o sujeito pintou, bordou e falou ali aquelas coisas de sempre.
Não lembro nada do que Lula comentou, mas desde aquele encontro penso em escrever algum roteiro satírico baseado nessa força lulista; ou então montar uma peça que se passa nos bastidores do debate entre Lula e Collor em 1989.
Gostaria de entender esse Lula antes da unanimidade, aquele sujeito que recebeu um repórter de quinta e perguntava para um assessor se tinha por ali uma pinguinha mineira das boas. Como aquele cara no limbo, que tinha saído de três derrotas para presidente, ganharia uma nova chance?
Penso nessas coisas porque a lei que dá uma graninha extra para as produtoras criarem uns produtos bacanas já está em vigor. Mas ninguém me aparece com uma história política e cabeluda?
Já que o pessoal assimilou o clichê, vamos esculhambar, afinal aqui não falta alegria. Cadê nossas sátiras políticas? Não dá para entender. Produzimos chargistas geniais, piadistas profissionais, mas não temos nenhuma série escrachada sobre dois dos assuntos que defininem nossa brasilidade: futebol e corrupção.
Está na hora de produzirmos um Terra em Transe 2 – Agora Ainda Mais Pirada. Ninguém tem interesse, não? Falta verba, talento ou disposição?
Como seria bacana ver uma sátira caprichada em que o Celso Russomano (PRB) fosse a estrela principal. Midiático e com pinta de xerife (como lembrou outro dia o André Singer), sua campanha para a prefeitura de São Paulo renderia cenas estupendas.
Poderíamos rolar de rir dos conchavos com a turma da Universal; ou fazer pipi nas calças ao observar a precariedade do programa eleitoral do candidato; ou ainda se emocionar com um bonito flashback em animação que faria um paralelo entre o passado de Russomano e a fábula da Raposa e as Uvas.
Mas nada disso acontece. Enquanto isso, vale demais se esbaldar com a sensacional Veep, a nova série com Julia Louis-Dreyfus. Aquela mocinha que fazia a Elaine em Seinfeld – melhor esquecer a Christine em The New Adventures of Old Christine – agora é Selena Meyer, vice-presidente dos Estados Unidos (e não, ela não lembra a Sarah Palin nem a Tina Fey).
Com oito episódios da primeira temporada exibidos pela HBO, Veep é abusada, histérica, engraçada, uma espécie de The West Wing dos sem-poder – e descaradamente mais imbecis.
Os diálogos são rápidos e afiados – quem sabe inglês se dá melhor porque muitos trocadilhos se perdem na tradução. Tudo gira em torno dos bagrinhos, dessa turma que vive de restos, que luta freneticamente para um dia estar no centro das decisões.
Criado pelo escocês Armando Iannuci (autor do sucesso britânico The Thick of It), Veep é um tratado sobre a encenação da política e o jogo vazio e ridículo de quem pouco decide. Filmado como se fosse um documentário (com a câmera na mão, mas sem a cumplicidade dos personagens que acontecia em The Office, por exemplo), os episódios se concentram no cotidiano sem importância do gabinete de Selena.
Péssima em discursos, mãe relapsa, com tendências a explosões de raiva e totalmente cínica, Selena é ruim até para um cargo banal. Porém, a energia e o carisma da interpretação de Louis-Dreyfus nos deixam sem defesas. E querem saber? Para ela, ser vice já é um bom castigo.
Seus assessores agigantam ainda mais o grau de incompetência em Washington. Seu time é formado por um pateta faz-tudo, uma confusa chefe de gabinete, um glutão rei das piadas infames e um “puxa-tapete” doido para provar que é um oásis de inteligência (não é).
E o que pode ser legal nisso? Observar a política como farsa é algo catártico. É como se a série chutasse o pedestal da turma que se gaba de ocupar cargos pomposos, mas inúteis.
Uma cena resume tudo: Selena está conversando com crianças numa escola. Seu assessor cochicha em seu ouvido que ela está grávida (terror eleitoral para quem não tem marido). Vivendo seu 11 de Setembro particular, ela tem que continuar sorrindo e cantando com a molecada.
Veep, portanto, é uma arrasadora e eficiente sátira sobre como os políticos lidam com as desgraças do dia-a-dia – e não com a queda das Torres Gêmeas.
Se fosse sobre a política brasileira, então, seria de arrebentar.

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