“Moonrise Kingdom” e a paixão pelo cinema

Outro dia, ao comentar o filme O Planeta dos Macacos: A Origem, o crítico Inácio Araújo lançou uma indagação daquelas, num fraseado tão prosaico quanto pertinente. Falando sobre a bobagem que é essa história dirigida pelo Rupert Wyatt, Inácio acrescentou: “Será que um garoto acharia aí inspiração para se apaixonar pelo cinema?”.

Fiquei parado na interrogação, atraído por aquele facho de luz que só aparece raramente nos jornais hoje em dia.

Tentei responder ao crítico e penso que, a partir desse filme, a molecada pode se apaixonar pelos efeitos especiais, pela grana que o filme rende, pelo James Franco, pelos macacos, mas nunca pelo cinema. Por quê?

Visivelmente há pouca reflexão sobre a imagem, uma história banalíssima, levada de uma forma capenga e risível, com cenas feitas para que escapemos de qualquer dor de cabeça, de qualquer pensamento, da arte.

Enfim, mais um filme feito pra gente curtir, mas não amar (parafraseando mais uma vez o Jonathan Franzen).

Amar o cinema exige dedicação, esforço. É um pé no saco. Tem lá suas enormes compensações, mas convenhamos, ficar de quatro por alguém não é fácil nem sempre divertido.

Amar o cinema é pensar depois no filme como uma obra musical, com seus instrumentos, acordes e voz próprias. É dissecar cada uma das variações, entendendo as suas colocações e movimentos.

Wes Anderson foi muito feliz com a analogia musical em seu filme mais recente, Moonrise Kingdom, uma pequena e radiante obra-prima – e bem capaz de fazer garotos e garotas se apaixonarem pelo cinema.

Ao contar a história de um amor juvenil, Anderson mostra como compõe seus filmes, recitando cada trecho de uma maneira específica, juntando cenografia, luz, movimento de câmera, diálogos etc. de uma forma absurdamente harmônica e pessoal. Apaixonante.

Se eu precisasse escolher um filme para representar o momento em que passei a amar o cinema, talvez mencionasse dois.

E.T. foi a obra que me fez experimentar o mundo como eu nunca o tinha percebido – tinha oito anos. Foi a emoção. Entendi que a gente sofria, chorava, ria e existiam outras pessoas tão solitárias quanto eu. Já Laranja Mecânica foi a razão – tinha 16 anos. Com o Stanley Kubrick percebi a técnica, o engenho do homem, a grandeza de seu raciocínio para elaborar um universo abstrato.

Não sei se existe alguma pesquisa nesse sentido, mas seria bom descobrir quais os filmes que mais fizeram as pessoas amarem o cinema. Eles ainda existem, mas parecem ser em menor quantidade. Não sei.

Talvez os filmes não sejam os únicos culpados. Os cinéfilos também parecem ser hoje menos inspiradores.

Está aí a Mostra de Cinema com seus loucos novamente soltos (mais aqui). Comecei a frequentar o evento na sua 16ª edição. Lembro que olhava aqueles cinéfilos mais velhos, com seus 40 e tantos anos, e admirava o esforço, a paixão que tinham pelos filmes. E também as referências e a gana por nos explicar a importância daquelas imagens para o mundo. Para mim, todos eram Truffauts desesperados para provar que o cinema sempre foi maior que a vida.

Hoje eu sou aquele sujeito de quase 40. Como será que eu, aos 17, 18, me olharia hoje? Poderia inspirar alguém? Em meio a banalidades, discursos fraquíssimos, bastante cansaço, será que os cinéfilos também mudaram e não conseguem atrair admiradores?

Não sei. De qualquer maneira, há alguns filmes apaixonantes na Mostra, como Tabu, Um Alguém Apaixonado ou A Bela que Dorme. Vamos ver o que acontece.

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