“Salve Jorge”: sai o Divino, entra o Inferno

E o Brasil voltou para o horário nobre. Saiu Avenida Brasil, o suspense de João Emanuel Carneiro, e entrou Salve Jorge, com todo o toque de exotismo e de romance da Gloria Perez.

Além de todas as diferenças de estilo entre os autores, o que mais me chamou a atenção no primeiro capítulo da nova novela das nove foi o tremendo choque de realidade. Difícil pensar em algo mais diferente do que aquele paraíso dos emergentes que era o Divino.

Salve Jorge começou com um leilão de mulheres, riquinha escrota, tiroteios, armas e Exército nas ruas. Estamos num ambiente corrompido, desagradável, onde tudo parece prestes a desabar.

O mantra que fica das primeiras cenas é aquele de Dira Paes, só se lamentando de sua sorte.

Uma cena em comum com Avenida Brasil: um atropelamento que movimenta a trama.

Pouco me interessa se a novela será boa ou não. Mas que a Globo é uma grande jogadora, isso é. Nada como um pouco do cotidiano para curar a ressaca das ilusões e abstrações de Avenida Brasil.

O folhetim anterior terminou como começou, exaltando seus personagens bem elaborados e seu microcosmo sem quase nenhum contato com a vida aqui fora (o crítico de TV Maurício Stycer escreveu mais ou menos o que eu penso, então pulo qualquer balanço final).

Baseado em suspense, ganchos, atores em estado de graça, uma direção firme e inovadora e uma grande pergunta (afinal, Nina conseguirá se vingar de Carminha?), Avenida Brasil deu conta do recado, injetando uma estrutura narrativa, vá lá, diferenciada.

Muitos sociólogos de plantão falaram que a novela discorria sobre o conflito de empregados versus patrões ou da vida doméstica da tal nova classe C. Até tinha um pouco disso, mas não acredito que esse flerte com o real atiçava a curiosidade do público. A turma estava interessada na trama, e só. Não importava se falassem as manchetes dos jornais do dia. Aliás, melhor que não mencionassem o cotidiano e que aquele bairro não existisse.

Avenida Brasil deu uma banana para esse papo de “novela como espelho da sociedade e blábláblá”. João Emanuel mergulhou no imaginário e montou com perspicácia o seu conto da carochinha, seu “era uma vez” épico.

E agora? Gloria Perez é outra parada. Perto de Salve Jorge, Avenida Brasil foi uma novela de época, de um tempo inexistente.

No jogo das novelas, essa substituição dá uma mexida geral no time. O Brasil voltou a existir às nove e pouco.

Sai o Divino e entra o Inferno, esse lugar onde as pessoas usam armas como se fossem bolsas ou pulseiras; sai o charme, aquela dancinha maneira, e entra a batida violenta do funk; sai o Zenon e entra o Exército e a polícia; sai a “classe C meio rica” e entra o pobre; saem as mocinhas branquelas e entram as robustas morenas; sai o corno e entra o príncipe encantado montado num cavalo; sai a lambreta e entra o carrão possante; sai o mistério e entra o drama; sai o Divino e entra o Brasil.

Além do atropelamento, outra coisa em comum com a novela anterior: o castelo da Turquia onde mora o Calloni lembra bem aquela mansão do Tufão.

Ah, e o futebol também continua, pois Salve Jorge carrega no título uma boa homenagem ao Corinthians. Ou não?

O Brasil voltou.

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