A Mostra de Cinema de São Paulo continua com os já esperados sucessos – Bellocchio, Kiarostami, Loach, Tarkóvski, Sugawa, Kléber Mendonça, etc. Tem muita coisa boa que poderia ser comentada por aqui, mas blogs e imprensa estão dando conta do recado, indicando sessões e desancando certos filmes.
Por isso, prefiro dar uns pitacos sobre 007 – Operação Skyfall, que estreou no meio da maratona e obviamente se apresenta como o “lado comercial” do cinema (como se o cinema não fosse comércio por nascimento).
Acho que todo mundo que gosta do James Bond tem uma ligação afetiva com a série. Por acompanhar o mundo há 50 anos, sempre há uma história envolvendo você e o agente secreto do MI6.
Eu comecei a gostar dessas aventuras por causa do meu pai. Era impossível não ficar contagiado pela empolgante experiência que ele tinha quando assistia a um desses filmes.
Minha ideia de diversão passava por uma sessão do 007. Era coisa fina, aprovada pelo rigor paterno. Quando aparecia um novo filme do Bond, decretavam feriado lá em casa.
Um dos presentes mais ternos e importantes que meu pai me deu foi a coleção completa (na época) com as fitas das complexas tramas já feitas com o herói.
Então, para mim, claro que falar de James Bond é como comentar as mais recentes estripulias de um ente querido, um sujeito que a gente conhece bem, que de vez em quando aparece para contar o que aprontou.
E Operação Skyfall é um grande exemplar do gênero, um maravilhoso acerto de contas, um impressionante – e surpreendente – passeio pela iconografia da série.
Bond está velho e, antes de ser ultrapassado de vez, precisa resolver certas coisinhas do passado. Numa época em que a memória é armazenada em máquinas ou nuvens, Bond tem que encarar o mofo e a tristeza de uma fria mansão no interior da Escócia (onde morou com os pais). Essa linha física, palpável, da memória é o âmago desse 23º filme do 007.
Operação Skyfall é extremamente caseiro. Bond tem que voltar pra casa; a bond girl, na verdade, é a M (Judi Dench), que merecidamente ganha uma imensa despedida; o vilão só quer saber de eliminar a mamãezinha (acabar com o mundo é só uma consequência de uma briga familiar). Esse tripé – Bond, M e vilão – tão tradicional se ergue inteiramente dentro da mitologia da série, comemorando os 50 anos da franquia.
O roteiro é espetacular pelo tamanho de subtemas que levanta. John Logan, supervisionado por Neal Purvis e Robert Wade, sabe construir diálogos tensos e marcantes, que se dissolvem em humor esperto. Experiente, ele fez recentemente Hugo Cabret e também escreveu a peça Vermelho, sobre o Rothko (e aí você entende porque existe aquela bela cena no museu diante de um quadro de Turner).
Sam Mendes, o diretor, também faz, talvez, seu melhor trabalho, com uma arquitetura moderna, mas sempre nos remetendo ao passado.
Ele começa com a destruição de parte de Istambul, esse lugar mezzo-Europa, mezzo-Ásia, que representa tão bem a confluência do planeta, a briga Oriente x Ocidente, uma nova ordem mundial – e há a “morte” na cachoeira, lembrando Sherlock Holmes.
A próxima grande cena de ação rola no topo de um edifício em Xangai – onde mais o vilão high-tech poderia se revelar? Com seus espaços cleans, recheados de vidros e amplidão, o lugar poderia ser péssimo para uma tocaia. Porém, aí está a confusão do mundo, o seu embotamento a partir da limpeza. Paradoxalmente, quando mais parecemos enxergar, menos conseguimos ver. Assim, Bond, assassino e assassinado se fundem num mesmo plano, com o espectador vendo todos, mas com ninguém dentro da cena se reconhecendo na tela. Um genial e pós-moderno jogo de espelhos.
Com o passar do filme, Sam Mendes vai arremessando a ação para o passado, primeiro num bunker usado pelo Churchill, símbolo de uma época em que os inimigos eram claros – e não essa confusão de motivações e siglas de hoje.
Por fim, termina num apoteótico – e com pinta de filme de terror – cerco ao universo infantil de Bond.
Há ainda os diálogos cheio de curvas entre Javier Bardem e Daniel Craig, a metáfora dos ratos, a jovialidade de Q, o discurso sobre “as sombras”, etc.
Muitas coisas para serem ditas e revistas. Infelizmente, as poucas críticas que li trataram todo esse monumento como um filme cujo “resultado não está à altura das melhores aventuras da série”, como escreveu Alexandre Agabiti Fernandes num desengonçado texto na Folha.
Operação Skyfall está no topo da lista. É um filme interessantíssimo.

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