“Frankenweenie” defende fé na ciência

Se Hitchcock fazia sempre o mesmo filme, por que Tim Burton não pode seguir esse caminho? O queridinho dos góticos volta com Frankenweenie e, mesmo sem Johnny Depp, realiza novamente um daqueles seus sonhos fantásticos e doloridos (bem cruéis, na verdade), seguindo regras claras do universo “burtiniano” – até porque esse novo filme é um alongamento de seu curta de 1984.

Frankenweenie é por vezes um brilhante trabalho de Tim Burton, totalmente capaz de apagar uma certa decepção após Dark Shadows. Aqui temos cenas plenas de energia (com trocadilho), personagens interessantíssimos (apesar de pouco desenvolvidos) e uma intensa vibração visual.

Brincando com passado e futuro (lembrando Hugo Cabret, como mencionou A.O. Scott no NY Times), Burton faz uma obra “3D-PB-SM” – usando os modernos e pentelhos óculos 3D, mas entregando um filme preto e branco feito no velho stop-motion.

Carregado de camadas, é espantosamente estilhaçado por referências e truques – tanto para os antigos como para a molecada. E o roteiro de John August costura com desenvoltura citações e sequências cômicas cheias de aventura.

Na base, a história de Victor Frankenstein, o garoto deslocado num mundo já bem esquisito, o de New Holland, um daqueles subúrbios norte-americanos que imaginamos ser o paraíso do Tea Party. O menino se agarra na afeição de Sparky, seu cão, para seguir crescendo e sobrevivendo no meio daquele obscurantismo.

Quando seu fiel amigo morre (numa bonita cena em que Victor tenta se adequar à sociedade), é hora de experimentar o desespero e a ciência para ter a vida de volta.

Burton joga com, obviamente, o livro de Mary Shelley (que batiza uma tartaruga no filme), de 1818; também com o longa de James Whale, de 1931; e toda uma avalanche de histórias clássicas de horror – há de tudo um pouco mesmo, valendo a pena rever em DVD e montar mapas e gráficos com as referências (o ataque ao parque é um deleite).

Pelo universo “burtiniano”, aparecem emulações explícitas de Ed Wood, Edward Mãos de Tesoura e A Noiva Cadáver – além de seus curtas e O Estranho Mundo de Jack.

Mas é quando aborda a ciência que o diretor impressiona e inunda de frescor e ideologia sua obra.

Na figura de Mr. Rzykruski (voz de Martin Landau e corpinho de Vincent Price), Frankenweenie vira um manifesto a favor do lado científico da existência. Seu discurso diante da abestalhada comunidade de New Holland deveria ser adotado em escolas de todo o mundo.

A divulgação da ciência por Tim Burton é irrestrita e apaixonante. Esse tom beligerante vindo de um blockbuster com apelo infanto-juvenil (e da Disney) é realmente glorioso, principalmente quando lembramos do livro Cérebro e Crença, de Michael Shermer, que mostra que mais pessoas nos EUA acreditam em anjos e demônios do que na teoria da evolução.

O ensino de temas científicos sempre sofreu problemas – não só nos Estados Unidos. Parece que ainda por algum tempo vamos observar essa surreal batalha entre criacionismo versus evolucionismo. E Frankenweenie toca com esmero e graça no tema.

Tim Burton defende até as últimas consequências a ciência rigorosa e feita para melhorar o homem. A reencarnação acontece por causa de disparos da natureza, e não por capricho divino.

Tanto que quando lembramos do velho e solitário Frankenstein, o antigão, ficamos com aquele nó na garganta e a pergunta: “Mas então vale a pena ser Deus?”. Sim, responde Tim Burton.

Claro, há efeitos colaterais, mas eles podem ser contornados. Mesmo com algumas perdas e muitos danos, jamais devemos deixar de experimentar o processo científico.

Com seu final glorioso no moinho e uma última ressurreição patrocinada pelo engenho da mente humana, Tim Burton prova que sempre é melhor ter fé na ciência.

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