Ben Affleck deve estar radiante com o noticiário sobre o general David Petraeus. A lambança do ex-chefão da CIA, que renunciou ao cargo depois de confessar ter cometido um “deslize” em seu casamento, prova que a Agência Central de Inteligência norte-americana é coisa de cinema.
Um competentíssimo cinema, se a gente pegar o trabalho que Affleck fez em Argo, o terceiro filme que dirigiu (o segundo, Atração Perigosa, já era bem razoável).
Se não aparecer nada muito empolgante nas próximas semanas (e estou falando sobre Tarantino), Argo deve morder algumas importantes estatuetas do Oscar no ano que vem.
O filme tem várias camadas bem construídas que atraem a turminha da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas. É uma empolgante tacada que une: história baseada em acontecimentos reais; um astro de Hollywood compensando suas atuações mambembes com uma direção esperta; um roteiro que explora um momento de crise e superação dos EUA; uma deliciosa metalinguagem que exalta o principal produto da América – o sonho, também conhecido como cinema.
Dividido em três atos bem distintos e igualmente empolgantes, Argo relata a história de Tony Mendez (Affleck), um agente da CIA que em 1979 recebe a missão de retirar de Teerã seis funcionários norte-americanos. Eles estão escondidos na residência do embaixador do Canadá, pois acabaram de escapar da invasão da embaixada dos EUA por iranianos furiosos – o governo de Jimmy Carter estava abrigando Reza Pahlavi, o ex-xá do Irã, causando um tremendo mal estar diplomático.
Enquanto os dois países negociam a libertação daqueles que estão nas mãos dos sequestradores, Mendez precisa armar um plano para retirar do Irã os foragidos – que se forem descobertos vão direto para a forca.
Aí é que entra Hollywood para salvar a pátria. O agente da CIA pretende se fingir de produtor de cinema canadense e entrar no país em busca de locações para a sua mais nova ficção científica, Argo.
O roteiro é surpreendente, capaz de esticar na medida certa os momentos de tensão e promover excelentes cenas com todos os personagens.
Chris Terrio, o roteirista, se baseou no artigo “Escape from Tehran”, de Joshuah Bearman, e no livro de Tony Mendez e Matt Baglio sobre a ação. A escrita é exemplar, peça fundamental para se entender o mecanismo industrial de Hollywood e a capacidade de trabalhar diálogos e ações.
Temos um primeiro ato mais violento e tenso, com a tomada da embaixada. A câmera é nervosa, há supostamente imagens reais e entramos no meio da turba. Nos escritórios da CIA, a situação também é complicada. Ninguém se entende, a confusão espelha o caos que está acontecendo no Irã. Para segurar tudo, temos Bryan Cranston.
No segundo ato, acontece um relaxamento natural, pois vamos para a Califórnia, onde Tony Mendez busca maneiras de consolidar sua farsa. Há sol, piadas, curtição e, sem dúvida, os melhores momentos do filme. Para dar leveza, temos John Goodman e Alan Arkin.
Por fim, vamos para um final mais esticado, com toda a ação de resgate, em que devemos torcer desesperadamente por um happy end (Inácio Araújo, em seu blog, lembrou bem o aspecto da montagem).
Existe uma engenharia precisa, pensada, fruto de diversas reescritas. Esse é um tipo de cinema que necessita de centenas de diálogos atraentes, capazes de informar e apresentar sagacidade. As piadas buscam tirar um pouco da tensão, só assim suportamos a tenacidade do herói e a possibilidade do fracasso.
Não é fácil. Muita gente acredita que essas coisas surgem por magia, como se um papo inteligente na CIA acontecesse normalmente.
Não. É trabalho duro. Por aqui, ainda não conseguimos ver filmes nacionais com 33% (segundo estatísticas próprias) da arquitetura clássica de um Argo.
Tudo parece fácil, mole, fluido.
Mas não é. O cinema norte-americano ocupa um espaço no mundo. E isso é uma conquista e tanto.
No fim, essa engenharia ganha uma respeitosa homenagem. No plano final de Argo, encontramos a verdadeira central de inteligência dos EUA: Hollywood e seus filmes.
