O blog da Companhia das Letras segue nos deixando maravilhados – e amedrontados – com as especulações sobre a tradução para o português de Infinite Jest, O livro de David Foster Wallace.
Cada vez que o professor Caetano Galindo (leia aqui) aparece para nos contar sobre uma dúvida, um problema, um assombro, a coisa toda só parece piorar, como se quanto mais ele avançasse na tradução, mais longe estivesse do término. Talvez essa história não tenha um fim, mesmo – assim como a quantidade de notas e interpretações sobre a obra de um gênio.
Então vamos esperar.
Enquanto isso, ainda bem, a mesma Companhia colocou nas livrarias Ficando Longe do Fato de Já Estar Meio que Longe de Tudo, uma boa jogada para nos aproximar desse prosador inesquecível.
Abaixo, resenha (ligeiramente alterada) desses ensaios publicada na revista Rolling Stone, edição 74.
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O escritor e professor David Foster Wallace marcou época ao lançar o romance Infinite Jest (1996). Caudaloso, o livro assentou a literatura anglófona em novas bases. Wallace, que se suicidou em 2008, também foi um profícuo autor de não ficção, fazendo com galhardia o tal jornalismo literário.
Selecionados e prefaciados pelo escritor brasileiro Daniel Galera, os ensaios reunidos em Ficando Longe… tratam de uma feira agrícola, um cruzeiro pelo Caribe, um festival de lagostas, Kafka e o tenista Roger Federer – também há o famoso discurso de paraninfo “Isto É Água”.
Pode parecer estranho recomendar vivamente a leitura de mais de cem páginas sobre a experiência jornalística de alguém pelo mar do Caribe. Porém, aí é que está a prosa de Wallace. Diante de sua narrativa, é como se tivéssemos acesso ao mundo – o nosso mundo – pela primeira vez. Ao descrever cavalos, vacas e privadas, parece que as coisas ganham uma versão definitiva.
A cada frase, resta ao leitor bater na testa e murmurar: “Como nunca pensei nisso?” A prosa de Wallace é sempre reveladora, estonteante, como uma boneca russa infinita, se abrindo para novos conceitos, ideias e formulações filosóficas. Com um domínio sobrenatural da estrutura, espantosas notas de rodapé e um grau insano de eloquência e graça, Ficando Longe… é uma soberba porta de entrada para a obra de um autêntico gênio.
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Agora, para algo completamente diferente. Um trecho do ensaio que dá título ao livro Ficando Longe…:
“Existe algo de insuportavelmente triste num Cruzeiro de Luxo comercial. Como a maioria das coisas insuportavelmente tristes, parece incrivelmente esquivo e complexo em suas causas e simples em seu efeito: a bordo do Nadir – especialmente à noite, quando cessam as diversões organizadas, as gentilezas e o barulho animado no navio – eu senti desespero. Desespero é uma palavra que foi desgastada até se tornar banal, mas é uma palavra séria e estou usando-a com seriedade. Para mim, ela denota uma mistura simples – um estranho anseio pela morte combinado com um sentimento esmagador da minha pequenez e da minha futilidade, que se apresenta como um medo da morte. Talvez seja algo próximo daquilo que as pessoas chamam de pavor ou angústia. Mas é bem outra coisa. É como desejar morrer para escapar da sensação insuportável de compreender que sou pequeno e fraco e egoísta e que sem a menor dúvida vou morrer. É querer se atirar do navio.”
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Para finalizar, um pouco do ensaio “Mais Distante”, publicado no livro Como Ficar Sozinho (Companhia das Letras, tradução de Oscar Pilagallo), de Jonathan Franzen. Ao visitar uma ilha no Pacífico em busca do completo isolamento e das origens de Robinson Crusoe, Franzen acaba falando sobre o “estar sozinho” e os valores da ficção e de sua amizade com David Foster (Franzen leva para o lugar as cinzas do amigo). Abaixo, um trecho que explica um pouco a qualidade arrebatadora dos escritos de DFW.
“O mais curioso sobre a ficção de David, no entanto, é como seus mais devotos fãs se reconhecem em seus livros, e como se sentem reconfortados e amados ao lê-los. Na medida em que cada um de nós está preso em sua própria ilha existencial – e acho que é basicamente correto dizer que seus leitores mais suscetíveis sabem que o vício, a compulsão e a depressão têm o efeito de nos isolar social e espiritualmente –, agradecemos a oportunidade de receber novas mensagens da remota ilha que David habitava. No nível dos temas, ele nos deu o seu pior; expôs, com um autoescrutínio comparável ao de Kafka, Kierkegaard e Dostoiévski em intensidade, os extremos de seu próprio narcisismo, de sua misoginia, compulsão, autodecepção, seu moralismo e teologismo desumanizadores, suas dúvidas sobre a possibilidade do amor e seus constrangimentos escondidos em notas de rodapés dentro de notas de rodapé. No nível da forma e da intenção, no entanto, seu próprio catalogamento de desesperanças acerca de sua bondade autêntica é percebido pelo leitor com um dom de bondade autêntica: sentimos o amor em sua arte, e o amamos por isso.”

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