“É a narrativa, estúpido”, alguém gritou no cinema durante a exibição de Elefante Branco, de Pablo Trapero – apesar que eu vi o filme em casa e sem ninguém do meu lado.
É um saco ter que admitir que a melhor obra cinematográfica recente na América do Sul sobre favela veio da turma do Messi. Chato mesmo. Mas fazer o quê? Se a gente não sabe lidar com os nossos problemas, eles manjam bastante de dramaturgia, de como contar uma história. Então, ponto para os vizinhos.
Há uma década ouvimos a ladainha que os argentinos – porque têm escola e faculdades bem decentes – fazem obras interessantíssimas sobre a tal classe média. Usando e abusando dos três atos clássicos de Hollywood, eles conseguiram montar direitinho seus draminhas burgueses e manjam muito de alguns gêneros.
Até aí, morreu Neves e Kirchner. O problema ficou cabeludo mesmo quando ganharam o Oscar por O Segredo dos Seus Olhos (com um diretor que já tinha mexido com o Dr. House, vejam só). A situação ficou feia, porque os caras já têm o melhor jogador do mundo, e ainda querem tripudiar vencendo o prêmio máximo do cinema? E bem quando os canarinhos começaram a melhorar a luz, construir uns roteirinhos mais certinhos etc.?
Nem vou mencionar que O Segredo conseguiu misturar futebol (e aquele plano-sequência, hein?), política e Ricardo Darín (um legítimo popstar contemporâneo com pitada de estrela de antigamente) num longa-metragem envolvente e com humor – tudo o que certos realizadores brasileiros sonhavam.
Bom, mas e daí? Enquanto eles não mexessem com nossas alegorias (principalmente dos gênios Glauber e Sganzerla) e miséria, beleza. Mas quem disse que argentino respeita alguma coisa? Querem mesmo é ver o brasileiro na pior.
Começaram a ficar pobres e vejam o que aconteceu. Passaram a fazer belos filmes sobre a falta de grana, a desgraça, o pobre.
Eu continuo afirmando: nessa toada, eles vão chegar lá no Rio, 40 Graus e melhorar tudo o que os cineastas brasileiros já fizeram. Só de birra.
Elefante Branco é erguido com primor, bem acabado, funcionando como antítese daquela construção (que já é ruína) horrenda e reveladora que assombra todo o filme.
Narra a história de dois padres e uma agente social que atuam numa favela de Buenos Aires. É mais ou menos isso. E só. E muito. Porque teremos a visão de estrangeiros (não só de um belga, mas de padres e de pessoas fora da favela) sobre a miséria. Vamos (nós, espectadores) entrar naquele inferno com toda a nossa boa vontade e o olhar ingênuo, sentimental. Vamos ser massacrados pela impotência, inoperância, pelo desconhecido.
Um ponto de vista dos mais interessantes e, curiosamente, pouco abordado por cineastas aqui. Há uma dificuldade em revelar essa aproximação do diferente, do estranho. Geralmente, observamos filmes policiais (visão de quem pretensamente conhece a favela na teoria) ou que adotam uma perspectiva do morador (muitas vezes falsa). Portanto, Trapero tem uma premissa absurdamente feliz quando resolve abordar essa emoção de quem vem de fora – quase todos nós, espectadores de cinema.
Com travellings tão abundantes quanto competentes, o diretor nos leva para um passeio – terrível, é verdade – pela lama, por buracos de bala e vielas desumanas. Mas, e aí vem o golpe, sem nunca esquecer a narrativa.
Portanto, por trás de tudo – e pela frente também, muitas vezes – há um romance proibido e a trágica história de um homem bom condenado à morte.
Sem sacrificar o tom político ou a inteligência – o prólogo tem 15 minutos de imagens, quase sem palavras –, Elefante Branco conta enormes histórias individuais envolvidas por acontecimentos históricos. E isso não é um belíssimo romance social? Como sonha a boa literatura? Ou uma série excepcional como Treme? Mad Men? Sopranos? The Wire? E faça a sua lista.
Ok, Trapero não resiste a um final melodramático e brutal (como se todas as cenas anteriores não bastassem), mas fazer o quê? Craque também erra pênalti – Abutres, filme anterior do diretor, também tem um término chatinho, que quase estraga tudo.
Só que Elefante Branco resiste bem, entregando atuações precisas, coadjuvantes fortíssimos e algumas cenas bem duras, quase insuportáveis.
Um cinema atento ao seu redor, afiado, rápido em tratar os grandes temas. Em suma: relevante.

Deixe um comentário