Livro de David Carr é manual sobre crises

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O jornalista David Carr é a estrela do documentário Page One (2011), sobre o New York Times e a crise da mídia impressa. Com seu jeitão alerta e esquisito, ele nos conduz para o centro nervoso das discussões sobre o papel – literalmente – do jornal nos dias de hoje.

Em dois segundos é possível perceber que Carr tem lá suas idiossincrasias. Há uma curiosa mistura de ansiedade com paixão, demonstrando que o sujeito se entrega com tudo ao ofício.

Com sua verve, Carr consegue demonstrar que por trás de um jornal em crise, sempre há homens tentando lidar com seus próprios demônios. Em vez de roubar leitores dos veículos impressos, a internet talvez tenha apenas se aproveitado da incompetência – e do insuficiente poder de reação – de muitos jornalistas e editores que andam pelas redações de jornais e revistas.

Para usar uma palavra que agrada muitos críticos, Carr “humaniza” o documentário, se tornando a intensa cara do New York Times.

Se Gay Talese escreveu a biografia do diário mais importante do mundo (O Reino e o Poder) e mostrou de qual tipo de carne é feito um jornal, Carr lançou uma autobiografia para entender como um jornalista consegue sobreviver a tudo.

A Noite da Arma (Record, tradução de José Gradel) é um intenso e brilhante trabalho de reportagem, que revela muito sobre crises – e vícios – de todos os tipos.

Abaixo, resenha do livro publicada na edição 76 da revista Rolling Stone.

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David Carr, hoje um respeitado jornalista do The New York Times, precisava saber se um dia apontou a arma para um amigo, se roubou de sua mulher os bebês gêmeos que tinham acabado de ter, se esmurrou uma ex-companheira, se era mesmo aquele cara eternamente chapado.

A única maneira de ser honesto consigo foi escrever essa autobiografia. Porém, em vez de confiar na memória, ele usou o jornalismo – “não para a verdade, mas para menos mentiras” – e fez 60 entrevistas com pessoas ligadas à sua trajetória pessoal.

Ele quis cruzar os dados (há fotos e registros reproduzidos no livro) e ouvir as versões, pois sabia que durante boa parte de sua vida ele estava doido demais para prestar atenção à própria história.

A primeira parte relata a tenebrosa viagem de Carr pelos vícios em cocaína, crack e álcool. Há dor suficiente ali para encher um lago. Após alguns desastres no biênio 1987-88, ele passa por um tratamento intensivo e se recupera.

Vem a segunda parte, em que o autor volta a florescer, adquirindo respeito na profissão e buscando certa redenção familiar – mas o perigo logo volta, seja com um câncer, seja com reluzentes garrafas de bebida.

As frases de Carr vão se unindo umas nas outras com tremenda eficácia, como se acompanhássemos potentes e inevitáveis ligações químicas. Além de picotar sua prosa com os desafios que encontrou ao escrever estas memórias, ele nos leva para diversas perguntas e dúvidas sobre a nossa própria existência. Uma obra impressionante.

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