A gente tem que ter cuidado quando escuta o “mimimi” de alguns jornalistas. Feito personagem de romance policial antigo, eles gostam de culpar o mordomo por tudo. No caso, o mordomo é a internet.
É até chato ficar batendo sempre na mesma tecla (digital, claro), mas tem muito editor, repórter, redator, dono de jornal jogando a toalha. Em vez de buscar investimento, investigação, profissionais decentes, os caras falam que não há mais espaço para “aquele jornalismo antigo” e pronto, passam a publicar fotos de ex-BBB na praia e umas reportagens dignas de pena – quando até o El País dá uma barriga como aquela da foto do Chávez, realmente temos que nos preocupar.
Vale lembrar que você também é responsável pela triste sina dos coleguinhas da imprensa. É, você mesmo, nobre e exigente leitor. Afinal, eles sempre entregam o que você quer, certo? E pelo jeito você, leitor, só quer porcaria.
É isso aí. Parte do jornalismo brasileiro está um desastre por causa da internet e dos leitores. Nunca, jamais por causa dos jornalistas. Concorda? Então reclame.
Todo dia encontro um jornalista na esquina chorando a morte de seu trabalho e enchendo o bucho com a grana que vem da sua nova assessoria de imprensa. Coitados.
Mas de vez em quando aparece alguém para lembrar o Joel Silveira, por exemplo, e até penso que o mundo pode voltar a girar de uma forma decente.
Em reportagem dia desses na Folha de S.Paulo, o repórter Morris Kachani informou que Geneton Moraes Neto (da Globo News) fez um documentário sobre o Joel. Imperdível. Na mesma Folha, o Ruy Castro também arriscou uns palpites sobre a obra do sergipano, inclusive colocando o sujeito num patamar acima do Gay Talese. Tenho lá minhas dúvidas sobre as posições desse ranking, mas a provocação é válida.
Gostei especialmente dessa frase do Geneton: “Tomara que o documentário funcione como espécie de manifesto pela volta de um ‘jornalismo autoral’, que infelizmente perdeu espaço na imprensa de hoje. Lutar por ele é lutar por um Brasil menos medíocre”.
É por aí mesmo. Geneton também falou sobre uma “certa síndrome de frigidez editorial” que merece ser debatida.
Também recentemente fiquei feliz da vida ao assistir ao documentário Searching for Sugar Man, do sueco Malik Bendjellaoul. Indicado ao Oscar, o filme é uma excepcional reportagem sobre o cantor e compositor norte-americano Sixto Rodriguez, uma figuraça impactante como Johnny Cash e potente feito Bob Dylan.
Nascido em Detroit, Rodriguez lançou em março de 1970 o disco Cold Fact. Cheio de vigor, rimas poderosas e um violão nervoso, era uma porrada digna de ser abençoada pelo papa. Porém, nada aconteceu. As vendas foram terríveis e Rodriguez sumiu no ostracismo – mesmo depois de ter atirado no mercado um segundo LP também profundo, Coming From Reality.
Outro caso de um grande artista sendo jogado para o bueiro. Cold Fact entrou para o panteão dos discos malditos e pronto.
Não. Porque existe o jornalismo.
Craig Bartholomew Strydom, jornalista, viu uma curiosa frase num encarte de um CD lançado nos anos 90 com a obra de Rodriguez. A frase pedia para alguém se interessar e descobrir o paradeiro desse astro da música pop, que simplesmente tinha sumido do mapa – havia até o boato de suicídio.
Peraí, astro? Sim, na África do Sul, Rodriguez é como Elvis ou os Rolling Stones. Cold Fact liderou as paradas por bastante tempo e se tornou um imenso fenômeno, incentivando os protestos contra o apartheid. E o resto do mundo não sabia nada disso – nem o próprio Rodriguez desconfiava de seu poder.
Não dá para contar tudo, mas o que se segue é a busca por Rodriguez e o arrepiante reencontro com os fãs sul-africanos.
Além de uma narrativa cheia de suspense e a excepcional (mesmo, escutem) música de Rodriguez, o documentário traz belíssimas imagens de Detroit, uma cidade carismática e com muitas questões sobre os centros urbanos – Detropia é outro ótimo documentário com a cidade como personagem principal.
Pois o jornalismo é esse tesão pela curiosidade, pela história, pelos fatos e acontecimentos. Ou você gosta disso ou desencana, vai lá vender produto na TV e defender seu amigo empresário. Mas não venham dizer que a culpa pelo atual fracasso da imprensa é apenas dos outros.
Já que o diretor de Searching… é sueco, aproveito o gancho – bem torto – para lembrar de Stieg Larsson, jornalista e autor da trilogia Millenium.
Saiu recentemente pela Companhia das Letras o importante Stieg Larsson, biografia escrita por Jan-Erik Pettersson. Não lembro quem meteu o pau no livro dizendo que era detalhista demais, dava sono etc. Pura besteira. A obra é das mais interessantes. Abaixo, uma versão editada de resenha sobre o livro que saiu na revista Rolling Stone.
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Por um tempo, Stieg Larrson foi a pessoa mais ameaçada da Suécia. Graças aos seus artigos combativos e opiniões firmes contra a extrema direita e grupos neonazistas, racistas e xenófobos, ele era um alvo constante de ataques. Ficou expert em segurança, tanto que produziu um manual para jornalistas sob ameaça.
Mas, aos 50 anos, no dia 9 de novembro de 2004 – data ironicamente histórica para nazistas – Stieg Larrson foi traído por um inimigo interno. Após subir sete andares de escada para chegar ao escritório da revista que ajudou a fundar, a Expo (“espinho na carne dos neonazistas”), seu coração parou. Stieg Larrson foi morto por um ataque fulminante.
A Trilogia Millenium, que conta as desventuras da dupla Lisbeth Salander e Mikael Blomkvist, começaria a ser publicada apenas no ano seguinte. Confiante e dedicado, ele não tinha dúvidas sobre a qualidade dos romances que escreveu nas horas vagas – trabalhava como jornalista investigativo e ativista. Sabia que teriam alguma repercussão. Mas certamente não poderia prever que venderiam mais de 65 milhões de cópias em todo mundo e se tornariam fenômeno de mídia como Harry Potter.
Hoje, a Suécia tem a cara de Stieg Larsson. O que Jan-Erik Pettersson, editor e jornalista, tenta provar nessa biografia – na verdade, uma longa e refinada reportagem sobre a extrema direita europeia – é que esse sucesso tem que ser saudado como um ato político.
Assim, não espere fofocas (a briga pela herança ganha apenas quatro páginas no final) ou detalhes comezinhos da existência agitada do escritor e guerrilheiro; nem um aprofundamento sobre o método criativo da trilogia – os livros ganham destaque após 200 páginas. Pettersson faz muito mais. Arguto e objetivo, ele nos conta sobre o “animal político” que emergiu de Larsson, analisa a estrutura dos romances policiais suecos e nos deixa mais atentos sobre a história da Europa dos últimos 60 anos.


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