Por incrível que pareça, livros que contam bastidores de filmes são às vezes tão bons quanto os próprios longas que analisam.
Recentemente, a Zahar publicou Quinta Avenida, 5 da Manhã, de Sam Wasson, com as minúcias e peculiaridades da realização de Bonequinha de Luxo (1961). Lá estão as fanfarronices de Truman Capote, as dificuldades do roteirista George Axelrod e, principalmente, as aventuras de Blake Edwards e Audrey Hepburn, as boas almas que perpetuaram esse clássico.
Também tivemos pela L&PM o sensacional Cenas de uma Revolução, de Mark Harris, com as entranhas de nada menos do que cinco filmes capitais do final dos anos 60: Bonnie e Clyde, A Primeira Noite de um Homem, O Fantástico Doutor Dolittle, Adivinhe quem Vem Para Jantar e No Calor da Noite.
Agora aparece Alfred Hitchcock e os Bastidores de Psicose (Intrínseca), de Stephen Rebello, lançado originalmente em 1990, e que agora ganha edição brasileira por causa do filme Hitchcock, baseado nesse livro.
Nas telas, Hitchcock ganhou o físico de Anthony Hopkins. No livro, o genial diretor inglês é ele mesmo, com 60 anos de idade e querendo – mais uma vez – se reinventar.
Em 1959, Hitch tinha vindo de um sucesso (Intriga Internacional), mas ainda estava amargando a decepção em torno de Um Corpo que Cai, lançado apenas um ano antes e um desastre de crítica e público – e hoje considerado o melhor filme de todos os tempos pela enquete da revista Sight and Sound.
Em busca de um material inédito e explosico – mas bem baratinho -, ele topou com o romance Psicose, de Robert Bloch. A história girava em torno de assassinatos, um maluco fissurado na mãe e uma mocinha em fuga que morria cedo demais. Hitch adorou.
Bloch escreveu seu livro após acompanhar o noticiário sobre Ed Gein, um serial killer dos mais esquisitos, que curtia andar por aí vestindo a pele de suas vítimas.
O material era bem forte e ideal para a literatura pulp, mas impensável para os bons costumes de uma platéia dos cinemas norte-americanos.
Rebello descreve desde os instantes em que Bloch teve a inspiração para seu livro, até o que aconteceu com os envolvidos na adaptação para as telas das travessuras de Norman Bates.
Detalhista, aguçado e com boas entrevistas e revelações, Alfred Hitchcock e os Bastidores… é ágil, bem escrito e irrepreensível para quem aprecia esse tipo de informação.
O capítulo que disseca o roteiro de Psicose é, por motivos óbvios, um dos meus preferidos. Lá está a trajetória falida do primeiro tratamento escrito por James P. Cavanagh. Autor de episódios para TV de Alfred Hitchcock Presents, ele concebeu um roteiro confuso, com muitas trapaças e que se perdia num romance canhestro. Foi dispensado, mas levou US$ 7.166.
Foi então que Joseph Stefano, ex-ator e compositor de música pop de 30 anos, ganhou uma chance. Apesar de algumas coisas escritas para TV e cinema, era mais um em Hollywood.
Ganhou a confiança de Hitchcock, recebeu US$ 17.500 e escreveu o filme que conhecemos hoje.
Abaixo, alguns trechos em que Stefano comenta como era trabalhar com o mestre do suspense.
FOFOCA
“Quando chegava a hora do ‘vamos trabalhar’, ele nunca estava muito disposto. Hitchcock era muito difícil de segurar. Eu queria que ele me dissesse como esperava que o filme fosse, mas ele preferia papear, fofocar e adorava rir. Acho que ele realmente gostou de mim. Disse-me que seu último roteirista, Ernie Lehman (Intriga Internacional), vivia preocupado e reclamando. Mas eu passava o tempo todo rindo e pensando comigo mesmo: ‘Você nem esperava entrar para o cinema e está aí, trabalhando com Hitchcock’.”
VISUAL
“Ele não estava nem um pouco interessado em personagens e motivações. Esse era o trabalho do escritor. Se eu dissesse que queria dar à garota um ar de desespero, ele responderia ‘certo, certo’. Mas, quando eu disse ‘na abertura do filme, eu gostaria de uma tomada de helicóptero sobre a cidade e depois seguir direto para o hotel barato onde Marion está passando sua hora de almoço com Sam’, ele respondeu: ‘E nós entramos direto pela janela!’ Era esse tipo de coisa que o empolgava.”
PERGUNTAS
“Ele era muito centrado na parte técnica, como no elaborado assunto da troca de carro da mocinha. Ele dizia: ‘Acho que devemos mostrá-la pegando papéis importantes quando vai para casa fazer as malas. Os documentos do carro, essas coisas’. Ele nunca queria que a plateia fizesse perguntas. Sua teoria era ‘imaginar o que o público ia perguntar e responder o mais rápido possível’.”
ELOGIO
“O elogio era o fato de você ter sido convidado. Um dia, Hitchcock estava conversando sobre John Michael Hayes – um cara que tinha escrito alguns de seus grande sucessos [Ladrão de Casaca, Janela Indiscreta etc.]. Hitchcock afirmou que ele havia criado uma boa fala em O Terceiro Tiro, que é quando Shirley MacLaine fala ‘eu tenho pavio curto’. Foi ali que eu disse para mim mesmo: ‘Stefano, se você acha que vai ganhar algum aplauso, pode esquecer’.”

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