Room 237 é um excelente álibi para se cometer um crime.
Não sei se o documentário de Rodney Ascher vai estrear algum dia nos cinemas brasileiros – e se isto acontecer, certamente será apenas em um ou outro lugar privilegiado. Mas mesmo se prometessem a obra para daqui a uma semana, por exemplo, eu não recomendaria que você esperasse para vê-lo.
Então, companheiro, o negócio é aproveitar uma das boas utilidades da rede: procure o título por aí – você sabe onde.
Estamos diante de um daqueles projetos que merecem o delicioso adjetivo “mind-blowing” (pirante, alucinante).
Ele propõe cinco interpretações sobre os reais significados de O Iluminado (1980), dirigido por Stanley Kubrick.
Você com certeza sabe, mais ou menos, do que se trata essa adaptação do livro de Stephen King. Como bom personagem flutuante que é, o protagonista Jack Torrance (Jack Nicholson) é o malucão que vai cuidar de um hotel isolado, acaba perdendo a cabeça e passa a brincar perigosamente com um machado.
Mesmo quem nunca viu o filme, sabe que em algum momento dessa nossa existência na Terra, sir Jack Nicholson fez uma cara de lobo mau enquanto tentava derrubar uma porta.
Jack Torrance passou a viver em vários universos depois que Kubrick lançou esse grande filme.
Mas Room 237 não é um documentário sobre os bastidores das filmagens – ou ainda uma narração sobre como as pessoas fazem os filmes.
Room 237 é um documentários sobre o que mais os filmes significam.
Para mim (que li o livro e vi O Iluminado algumas vezes), a história tem toques sobrenaturais, claro, e segue um raciocínio até lógico. Ao me apropriar da obra (principalmente na adolescência), vi ali um efeito colateral terrível de um bloqueio criativo.
Há fantasias ruins e outras que nos ajudam a sobreviver. Enfim, já temos muitas observações no documentário – acreditem, vocês não precisam de mais uma, então me retiro.
Rodney Ascher teve duas sacadas de gênio. Obviamente, a primeira foi reunir essas cinco teses lado a lado; a segunda tem a ver com estética e roteiro: nunca vemos quem está falando. Ao deixar todos os depoimentos em off, em nenhum momento nos contaminamos com a imagem dos narradores – e isto é absolutamente imprescindível para o sucesso da empreitada.
Então o que acontece na tela é uma aula, uma elucidação de cada uma dessas interpretações. Como numa espécie de leilão, cada um vende seu peixe da maneira mais sedutora que consegue.
Eu passei a vida toda imaginando que tinha me divertido – e levado alguns sustos – com a história sobrenatural de um sujeito que fica pirado e tenta matar a própria família.
Mas aparece Room 237 com as diversas verdades ocultas em O Iluminado.
Para um desses “pesquisadores”, Kubrick está falando sobre o genocídio dos índios norte-americanos. Outro afirma que o longa nada mais é do que uma lembrança do Holocausto. Alguém prova por A mais B que as imagens podem ser vistas de trás pra frente (e de frente para trás) simultaneamente que farão sentido. E que tal toda uma ligação com o mito do Minotauro?
E, o meu preferido: O Iluminado não passa de uma grande brincadeira em que Kubrick está nos passando mensagens subliminares sobre o desempenho dele na fraude que foi o pouso de Apolo 11 na Lua.
O que pensar disso tudo?
Duas pessoas me ajudaram a compreender minimamente as reais intenções do próprio documentário – eu acho.
O escritor e ensaísta norte-americano Chuck Klosterman publicou uma interessante análise do filme, ligando os conceitos de “nova crítica” e “crítica de imersão”. Vale a pena ler aqui.
O outro companheiro de jornada foi Umberto Eco e seu Confissões de um Jovem Romancista (Cosac Naify, tradução de Marcelo Pen). O capítulo dois é um instigante e divertido ensaio sobre interpretação de texto.
Por vários momentos, substituí a palavra “texto” por “filme” e acho que as coisas fizeram bastante sentido (apesar de eu também estar forçando uma interpretação).
Em resumo, mesmo acreditando que essas teorias espalhadas pelo Room 237 são uma completa insanidade, tenho que admitir que o filme legitima – em parte – muitas delas.
Assim como dá uma piscadela para a seguinte frase de Eco: “Os autores costumam dizer coisas das quais não se dão conta; apenas depois da reação de seus leitores é que descobrem o que haviam dito”.
Se ainda estivesse por aqui, Kubrick poderia aprender muitas coisas sobre O Iluminado a partir de Room 237. O quanto alucinante pode ser isso?
O documentário também flerta com a tecnologia e o papel que ela exerce na crítica, pois é por causa dela (tecnologia) que esses doidos puderam ver e rever centenas de vezes as mesmas cenas e vasculhar os possíveis sentidos ocultos de cada fotograma.
Ao colocar filmes em caixinhas que podemos ter em casa (ou em arquivos digitais), mais do que nunca o cinema se aproximou da literatura, pois adquiriu o mesmo grau de intensidade de leitura.
Há muito tempo podemos ficar dias deitados em cima de uma única frase de James Joyce; e há algum tempo conseguimos olhar meses para uma mesma sequência de um filme.
Room 237 não deixa de ser sobre nossa necessidade de ordenar o conhecimento, de encontrar sentidos ocultos para algo simples. Um filme ideal para tempos tão paranoicos.
Ou é apenas sobre o vazio das interpretações críticas.
Não sei.
É bom você dar uma olhada.


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