“Argentino” super nada e o brasileiro super tudo

super nada

Com a estreia de A Busca, “o novo filme do Wagner Moura”, voltamos a ouvir aquele papinho sobre “cinema brasileiro que parece argentino”.

Em geral, cravam esse “elogio” em qualquer coisa que tenha uma narrativa “simples, com temas familiares e que privilegie o roteiro”. Ué, mas isso não acontece muito também com obras norte-americanas, francesas, dinamarquesas? O que é o cinema romeno? E o coreano? E quem disse que todas as obras vindas do lado de lá da fronteira são como O Filho da Noiva (ainda o exemplo mais citado) e O Segredo dos Seus Olhos? Aliás, os dois são do mesmo sujeito, o bom Campanella.

Uma sugestão para quem insiste nesse clichê: passem a escrever que “tal filme nacional é tão bom que parece um longa do Campanella”. Afinal, a cinematografia dos hermanos também tem várias porcarias, umas comédias mais toscas etc.

Essa conversa é tão ultrapassada e sem propósito que hoje os argentinos estão fazendo filmes parecidos com os brasileiros – Pablo Trapero acabou de registrar a vida, pasmem, numa favela em Buenos Aires (com Elefante Branco).

Dialogando com uma turma que mora lá na beira da Casa Rosada, eles ficaram espantados com o amor de alguns realizadores brasileiros por “essas coisinhas sem graça e cheia de mimimimi que a gente faz aqui”. Segundo esses portenhos, o que eles queriam mesmo era mais Tropa de Elite e menos Lucrécia Martel.

Mas, obviamente, minha amostragem é precária e nada confiável. Então vamos lidar com os fatos.

O cineasta Fernando Meirelles, produtor de A Busca, disse que leu o roteiro do filme e pensou: “Finalmente um filme brasileiro que parece argentino”. Claro que foi uma blague, pois o próprio Fernando nunca fez nada “argentino” e sua melhor obra é o brasileiríssimo Cidade de Deus. Então não dá pra culpar o diretor por sacanear toda a produção audiovisual nacional que nem sabe onde fica a Argentina.

Foi uma piada. O problema é que o pessoal leva a sério esse negócio. Mesmo sem ter a mínima ideia do que se trata o tal “roteiro argentino”, os coleguinhas escrevem por aí usando esse critério, como se as palavras redigidas à beira do Rio da Prata fossem tão fantásticas quanto um alfajor de doce de leite.

A Busca, primeiro longa de Luciano Moura, relata a procura de um pai (Wagner Moura) pelo seu filho desaparecido (Brás Moreau Antunes).

Após um prólogo dramático, envolvendo separação e conflitos familiares, o filme vira um road movie. Wagner Moura cai na estrada e precisa encontrar (e se encontrar, claro) o rebento.

O ator comentou que A Busca é uma espécie de Procurando Nemo. Outra piada, porque a obra da Disney é de um requinte pornográfico perto do exemplar brasileiro. Mas sempre é bom ouvir um ator prestigiado como Moura defendendo boas narrativas.

Escrito por Luciano Moura e Elena Soárez, A Busca não é argentino e muito menos surpreendente e bem elaborado.

Na verdade, eu fico até um pouco assustado quando percebo que ótimos atores e realizadores realmente acreditam que o roteiro de A Busca traga excelência para o meio.

Ele começa bem, na verdade. Há bastante drama, bons diálogos, um conflito interessante, tempos precisos e pelo menos uma idéia espetacular: o cavalo.

Mas, pra mim, tudo vai para o brejo quando o pai cai na estrada e segue as tacanhas pistas deixadas pelo filho (e pela dupla de roteiristas).

Começamos a viver uma aventura de segunda mão, forçada, risível, cheia de furos e contradições, nada condizente com a força dos primeiros bons 15 minutos.

Seria muito mais interessante ter acompanhado logo de uma vez as experiências do filho.

A Busca perde a chance de ser uma empolgante aventura juvenil para se transformar numa viagem sem graça de um sujeito meio pateta.

No mesmo dia da estreia de A Busca, outro filme nacional conseguiu chegar às telas. Trata-se de Super Nada, de Rubens Rewald (que também escreveu o roteiro).

Se a gente considerar “argentino” como sendo sinônimo de “bom”, aí está um filme “argentinaço”.

Super Nada é bem escrito, envolvente, curioso e super familiar, além de trazer um Ricardo Darín, o excepcional Marat Descartes. Ao mesmo tempo, é brasileiríssimo na sua pegada marginal, na inteligência ao capturar as nuances do astro pop Jair Rodrigues e no domínio do espaço (uma São Paulo exalando caos e afetividade).

Ao contar a trajetória de um ator, Super Nada fala sobre solidão, ambição e o estado das coisas nas artes, TV etc.

Claro, tem lá seus problemas, uns desvios esquisitos, mas como é gratificante assistir a algo que não se preocupa em ser argentino ou espanhol ou russo.

Super Nada quer ser apenas bom, coerente, tratando com rigor todas as suas cenas, erguendo com força momentos empolgantes e dando a cara pra bater.

Poderia ser paraguaio e mesmo assim continuaria sendo um grande filme. E isso é o que importa.

Deixe um comentário

Blog no WordPress.com.

Acima ↑