Eu estava sozinho numa sessão vespertina. Era segunda-feira. Fiquei com esperança. A falta de público poderia indicar que finalmente o período dessas tolas comédias globais teria terminado. Eu poderia ali, como única testemunha de Vai que Dá Certo, estar registrando o fim da era do gelo no humor cinematográfico brasileiro.
Alarme falso. Leio que o filme de Maurício Farias abriu (bilheteria do primeiro final de semana) com 387 mil espectadores, uma média bem razoável. A notícia é excelente para os produtores, mas terrível para quem acompanha a qualidade dos roteiros dessa atual safra de digitais (a gente agora não pode mais escrever “película” como sinônimo de filme).
Pelo jeito, teremos outras dessas nulidades pela frente. E aí vai um spoiler: o final de Vai que Dá Certo propõe uma continuação. Sim, eu sei, estamos perdidos.
O longa traz uma dupla decepção. A primeira e mais relevante: ao mostrar a história de cinco amigos (Fábio Porchat, Gregório Duvivier, Lúcio Mauro Filho, Danton Mello e Felipe Abib) que se reúnem para aplicar um golpe, Maurício Farias prometia ser diferente ao deslocar a ação da malandragem carioca para a picaretagem paulistana; retratando jovens fracassados, entraríamos na seara do humor de Judd Apatow (meninos amam meninos e nada mais) ou da turma do SNL, já que Porchat (que construiu os diálogos) e Duvivier hoje representam o melhor humor do país – dizem – com o Porta dos Fundos.
Nem sentimos na tela a ousadia de pelo menos um trabalho anterior de Farias (a ótima série Aline), muito menos percebemos qualquer frescor nas piadas ou no enredo.
A falta de esmero criativo chega a impressionar. A turma confunde humor com histeria, então berra o tempo todo (perceba como nossas comédias são gritadas). E o que dizer da total falta de sintonia com o universo contemporâneo? Começando pelo ridículo (mas não engraçado) sotaque paulistano dos personagens, tudo é ingênuo, infantil e recatado.
Aliás, todas as comédias nacionais são tremendamente pudicas. Mesmo E Aí, Comeu?, que promete sacanagem no título, fica ali na moita, tímida, sem esboçar nenhuma situação ou imagem mais provocativa.
Tirar a roupa da Natália Lage (que está no filme) seria uma solução só para alguns marmanjos, mas não resolveria o problema de acanhamento que toma conta dessa fase das comédias em português.
E cadê o vigor da ação? Uma bebedeira de cerveja quente não leva aqueles rapazes para nenhum lugar, não.
Mesmo assistindo a uma comédia norte-americana tenebrosa como Bachelorette, captamos algum cuidado com a narrativa quando a diretora Leslye Headland tenta aprofundar minimamente seus personagens e joga as piadas nas alturas, arriscando um pouco (e aí temos cocaína, traições, nudez etc.).
Não há nenhuma aposta em Vai que Dá Certo – bem ao contrário do espírito que os personagens tentam emplacar.
A boçalidade impera do começo ao fim.
Escrever um roteiro de um longa-metragem não é apenas enfileirar dezenas de esquetes e esquecer qualquer aprofundamento. Quer dizer, até é – tudo depende da intenção. Mas essa nova produção pretende ter uma história, quer que a gente se envolva com o grupo, quer nossa atenção.
Acho que o problema é de mentalidade. As pessoas fazem sucesso na TV e na internet com essas bobagens de três minutos e acreditam que nos cinemas é a mesma coisa.
Não é. Elaborar algo com pelo menos uma hora e meia de duração exige algumas ferramentas e soluções que as comédias atuais ainda não encontraram.
Exige uma rara capacidade de ser “bobo” num nível completamente diferente. Exige, muitas vezes, sutileza. Exige novidade. Exige personagem. Exige história.
Basta pegar três exemplos famosos nos quais temos um bando de moleques crescidos reunidos para fazer cretinices: Se Beber Não Case, O Âncora e Pineapple Express. Compare. Basta fazer isso.
Ou então vejam o documentário Method to the Madness of Jerry Lewis, de Gregg Barson. Lá você encontra tudo explicadinho.
Mas o que acontece que lixos reciclados como Vai que Dá Certo são produzidos por pessoas inteligentes e que já demonstraram talento? É preguiça ou falta de referência?
Ah, a segunda decepção: achei que Os Penetras teria sido o fundo do poço em se tratando da “nova comédia nacional”.
(Em tempo: dias depois o Porchat deu uma entrevista para o Estadão e falou sobre a qualidade dos roteiros no Brasil: aqui.)

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